Pacientes isolados, em hospitais lotados, sem o contato da família e com equipes de saúde cansadas de um ritmo frenético de trabalho resumem mais de um ano do surgimento dos primeiros casos da Covid-19 no Brasil. Só que mesmo diante de tantas dificuldades é possível encontrar compaixão e empatia de profissionais que se arriscam todos os dias para salvar vidas.
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Uma imagem comovente em meio ao caos provocado por uma pandemia rodou o mundo: duas luvas descartáveis, com as pontas dos dedos amarradas, cheias de água morna, que envolvem as mãos de um paciente. A foto foi tirada no ano passado pela enfermeira Lidiane de Souza Melo no Hospital Municipal Evandro Freire, no Rio de Janeiro, durante um plantão caótico. “Naquele dia foram mais de 10 intubações e uns 10 óbitos em 12 horas”, lembra ela, que ainda diz: “Eu voltava pra casa arrasada, chorando bastante. Os plantões eram muito pesados”.
Lidiane conta que a paciente era uma senhora com Covid-19 que estava intubada e bastante agitada. “As extremidades dela estavam geladas e eu cheguei perto dela para tentar conversar um pouco, acalmar, mas não podia parar porque eram muitos pacientes”, afirma. Lidiane tentou aquecer as mãos dessa senhora com algodão ortopédico e atadura, mas a medida não foi suficiente e ela precisava agir rápido.
A dificuldade era medir a saturação de oxigênio na corrente sanguínea da paciente e o médico pediu que Lidiane tentasse algo. “Corri no banheiro pegar água quente e quando eu coloquei as luvas de água morna segurando a mão dela em 3 ou 4 minutos já deu pra medir a saturação e aí ela se acalmou”, afirma. Horas depois, sem necessidade de permanecer intubada, a paciente ficou só com o oxigênio e conseguiu conversar rapidamente. “Ela tinha certeza que eu estava ali de mãos dadas com ela e disse que se sentiu confortável”, recorda.
Acolhimento
Ronny Kurashiki, psicólogo clínico do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, explica que cuidar da saúde emocional de pacientes internados é tão importante quanto prescrever medicações que melhoram o aspecto clínico. “O paciente se sente acolhido, cuidado. Clinicamente pode não ter reflexo direto, mas humaniza, deixa de ser só um diagnóstico”, ressalta.
O psicólogo ainda destaca que ninguém estava preparado para enfrentar uma pandemia e que as equipes de saúde estão precisando se reinventar o tempo todo, já que os familiares dos pacientes não podem estar perto. “A família é essencial para a recuperação. No hospital foi disponibilizado um telefone exclusivo para fazermos chamadas de vídeo”, conta. Ele enfatiza que a ação é gratificante. Para todos os envolvidos.
A foto da Lidiane foi tirada com autorização da paciente, que recebeu alta pouco tempo depois. Há um mês a enfermeira compartilhou a lembrança no Facebook. Em alguns dias a imagem viralizou e foi notada pelo giretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom. Em sua conta no Twitter ele enalteceu o trabalho dos profissionais de saúde, pois encontram meios de confortar os pacientes, e disse que ainda há muito o que aprender com quem se arrisca nas linhas de frente no combate à pandemia.
Para Lidiane esse reconhecimento é o que dá ânimo para seguir lutando. A enfermeira, de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ahnão imaginava a repercussão da postagem e nem cogitava a ideia de que um ano depois, enfrentaria ainda mais casos da doença e situações mais graves. Ela não desanima e comemora: “Foi muito gratificante ser reconhecida como profissional de valor porque somos pouco valorizados. Fiquei muito feliz mesmo”.
O psicólogo do Hospital Erasto Gaertner torce para que essa valorização siga depois que a pandemia termine. “As pessoas que estão na linha de frente se colocam em risco e arriscam a família para cuidar de outro. Esse movimento de reconhecimento é bem importante”, desabafa.