“Alegoria da Prudência” (1800-1812), de José Flaugier.| Foto: Domínio público
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“Os jovens pensam que os velhos são bobos; os velhos sabem que os jovens o são”, expressa o escritor franco-argelino Albert Camus em seu poema Envelhecer. Popularmente, costumamos dizer que “é errando que se aprende” e que só a experiência pode realmente nos ensinar algo. Naturalmente, percebemos que as pessoas se tornam mais sábias e mais prudentes pela experiência de vida, a ponto de perceberem a insensatez dos menos experientes. Com uma certa idade, é normal nos lembrarmos de como éramos há alguns anos e sentir, despretensiosamente, certa vergonha.

“A prudência como qualquer virtude exige um aprendizado que só vem pela prática. A prática gera a experiência e com a experiência adquiro a prudência”, explica o professor Roberto Abia Fernández, diretor executivo do Colégio do Bosque Mananciais em Curitiba. “Daqui que Aristóteles afirma que os jovens são imprudentes pelo simples fato de serem jovens, isto é, não viveram (acertaram e erraram) o suficiente para adquirir a prudência”.

Mas o que exatamente é essa virtude? Tem a ver com a sabedoria? Ou é um certo medo ou insegurança em tomar decisões? Segundo Fernández, hoje as pessoas entendem erradamente a prudência como equilíbrio, precaução ou mesmo uma espécie de perplexidade que leva alguém a não decidir – ou demorar para decidir. Para Iziquel Antonio Radvanskei, professor no curso de filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), essa dificuldade em decidir, na verdade, está ligada ao fato de que “cada tomada de decisão abre centenas de novas possibilidades”, além de que “o não controle do futuro leva à fuga da decisão, ao fechamento para novas possibilidades”.

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Decisão certa

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A verdade é que a prudência, lembra Fernández, nada mais é do que a arte de pensar e decidir corretamente visando uma vida feliz. “É uma virtude intelectual e volitiva ao mesmo tempo, que é vivida em dois momentos, o momento da reflexão por parte da inteligência e o momento da decisão por parte da vontade”, explica. “Executar a decisão certa e na velocidade certa é a característica do ser humano prudente”.  

Na segunda carta de São Paulo a Timóteo, o apóstolo de Cristo escreveu que “Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de prudência”, lembra o Papa Francisco em uma de suas homilias. “Alguém pode pensar que a prudência seja a virtude ‘alfândega’, que, para não errar, faz parar tudo. Mas não! A prudência é virtude cristã, é virtude de vida; mais, é a virtude do governo”, afirma Francisco. O filósofo francês André Comte-Sponville haveria de concordar com a afirmativa, para ele “a prudência não reina (a justiça vale mais, o amor vale mais), mas governa”. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, “a prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o atingir”. Ou seja, é a virtude do discernimento que governa nossas decisões.

O professor Radvanskei, refletindo a prudência a partir do filósofo alemão Hans-George Gadamer, acredita ser ela uma virtude hermenêutica: “a interpretação do mundo é uma busca da verdade que se revela e se esconde a todo momento (...) Na busca da verdade o que acontece com o intérprete é um encontro consigo mesmo e aqui se demonstra a impossibilidade de um único e abrangente método para se entender esse encontro do sujeito consigo”. É a partir desse encontro que parte a tomada de decisão, cuja tarefa, diz o professor ao citar Gadamer, “é encontrar o que é adequado na situação concreta, isto é, ver concretamente o que nela é correto e lançar-se a ela”. Para Radvanskei, as escolhas acabam por definir “quem dirige a si mesmo e quem se deixa levar pelas situações”.

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Prudência e a vida moral

Os antigos chamavam a prudência de auriga virtutum, o “cocheiro” que tem as rédeas do carro das virtudes e as dirige, lembra o autor espanhol Francisco Faus. Por isso, ela é reconhecida como a “virtude-guia da vida”, aquela que indica regra e medida para todas as outras virtudes. “Sabedoria sem prudência seria sabedoria louca, e não seria sabedoria”, diz Conte-Sponville. E assim como as todas as virtudes devem ser condicionadas pela prudência, o filósofo francês também lembra que, sem as outras virtudes, a prudência “seria vazia ou não seria mais que habilidade”.

Prudência, simplifica o filósofo, “é o que poderíamos chamar de bom senso, mas que estaria a serviço de uma boa vontade. Ou de inteligência, mas que seria virtuosa”. E nisso a prudência condiciona as demais virtudes. “Não é possível ser homem de bem sem prudência, nem prudente sem virtude moral”, dizia Aristóteles. Trata-se da “disposição que permite deliberar corretamente sobre o que é bom ou mau para o homem (não em si, mas no mundo tal como é, não em geral, mas em determinada situação) e agir em consequência, como convier”.

Herói ou desmiolado

Interessante notar como as palavras “agir” e “ação” aparecem nas linhas desses pensadores ao tratarem de prudência. Não basta refletir, existe uma ação decorrente da reflexão. Mas não qualquer ação: “a prudência é o que separa a ação do impulso, o herói do desmiolado” diz Comte-Sponville.

Para o autor, a imprudência não só expõe ao perigo, mas muitas vezes também é moralmente condenável. Como é o caso do motorista imprudente, por fazer pouco caso da vida alheia. Aliás, para o autor, “a prudência não impede o risco e nem sempre evita o perigo. Veja o alpinista ou o navegador: a prudência faz parte de seu ofício”. Ao se perguntarem: “Que risco? Que perigo? Em que limites? Com que fim?” é ao prazer, ao desejo que respondem. Contudo, ao responder por seu ofício as perguntas seguintes “Como? Por que meios? Com que precauções?” respondem à realidade. E a partir dessa reflexão sobre a realidade tomam suas decisões que, quando tomadas da melhor maneira possível, chamamos prudência. “O homem prudente é atento, não apenas ao que acontece, mas ao que pode acontecer; é atento, e presta atenção. Prudentia, observava Cícero, vem de providere, que significa tanto prever como prover”.

Prudência e amor

Mas, em tempos de culto a juventudes, a prudência parece fora de questão? A pergunta feita pelo professor Radvanskei é respondida por ele mesmo: não. É verdade que a prudência enquanto virtude prática descrita por Aristóteles não é uma virtude para os jovens, mas é aprendida ao longo da vida, quando essa é refletida, pensada, avaliada, lembra o professor. E para ele os sábios estão interpretando o mundo a cada instante. “Muitos escrevem, outros partilham conhecimentos nas rodas de família, outro ainda praticam a arte da escutatória (como diria Rubem Alves) e no velho método filosófico da maiêutica deixam que o outro se encontre e viva melhor os seus dias”.

Se a prudência estivesse fora de moda, mesmo o amor teria dificuldades em dar seus frutos. Comte-Sponville lembra do pai imprudente que, diante de seus filhos, pode muito bem amá-los e querer sua felicidade, mas que a sua virtude de pai falta alguma coisa. Também a seu amor lhe falta algo, afirma o filósofo: “se ocorrer um drama, que ele poderia ter evitado, ele saberá que, sem ser absolutamente responsável pelo ocorrido, também não é de todo inocente”, pois faltou-lhe o proteger. Para o filósofo, sem a prudência qualquer virtude seria impotente ou mesmo nefasta.

“A prudência”, dizia santo Agostinho, “é um amor que escolhe com sagacidade”. Mas o que ela escolhe? Pergunta Comte-Sponville. Não escolhe o objeto, responde, o desejo faz isso. Escolhe os meios de alcançá-lo ou protegê-lo. “Sagacidade das mães e das amantes, sabedoria do amor louco. Elas fazem o que se deve, como se deve, pelo menos o que elas julgam como tal (dizer virtude intelectual, pressupõe o risco do erro), e dessa preocupação nasceu a humanidade  – a delas, a nossa. O amor as guia; a prudência as ilumina”.