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Cathy Free, The Washington Post 

No dia dos pais de 2017, uma mulher que pagava sua refeição na janela de um McDonald’s em Scottsburg, no estado de Indiana, EUA, disse ao caixa que ela também gostaria de pagar pelas refeições do homem com quatro filhos que estava no carro atrás dela. “Diga a ele ‘Feliz Dia dos Pais’”, disse ela ao vendedor.

Seu pequeno ato de bondade logo foi repetido 167 vezes, com cada cliente oferecendo o pagamento pelo pedido da pessoa seguinte. A história ganhou manchetes nacionais, mas Daniel Fessler não ficou surpreso.

O professor de antropologia da Universidade da Califórnia (UCLA) passou os últimos anos estudando os efeitos positivos da bondade, e agora ele é o diretor inaugural de uma academia dedicada ao assunto. “O próprio fato de que podemos conviver lado a lado é notável em si”, disse ele. “Com o mundo mais conectado do que nunca, a gentileza nunca foi tão importante”.

Um instituto para estudar a bondade

O Bedari Kindness Institute (em tradução livre, “Instituto de Bondade Bedari”) foi inaugurado no mês passado em um prédio de ciências sociais da UCLA com um presente de US$ 20 milhões (cerca de R$ 80 milhões) da Fundação Bedari para financiar pesquisas sobre o que provoca a bondade e como isso pode capacitar as pessoas comuns. O instituto também oferecerá aulas e workshops sobre o tema.

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Já foram feitas pesquisas na UCLA sobre como a gentileza pode reduzir doenças cardíacas, depressão e o risco de uma pessoa desenvolver câncer, disse Darnell Hunt, reitor da divisão de ciências sociais da universidade e administrador do novo programa. Pesquisadores também começaram a estudar os efeitos da bondade em estudantes deprimidos.

Outro projeto em andamento envolve estudar por que algumas pessoas optam por arriscar suas vidas para salvar outras durante o genocídio, enquanto seus amigos e vizinhos não.

“Quais são os mecanismos que determinam se alguém será gentil ou não?”, Hunt perguntou. “Quem são essas pessoas e o que as motivou a agir?”. Ele acrescentou que “a bondade está no centro da capacidade dos seres humanos de cooperar uns com os outros”.

A bondade é contagiosa?

O instituto está sendo financiado pelos filantropos de Manhattan Matthew Harris e sua esposa Jennifer, que nomearam o centro de pesquisa Bedari com as primeiras sílabas dos nomes de seus filhos: Beckett, Dakota e Riley.

Matthew Harris disse que se inspirou para ajudar a iniciar o instituto depois de acordar uma manhã em sua casa em Nova York e perceber que os pensamentos negativos que estava tendo sobre si mesmo estavam começando a afetar seu relacionamento com a família e os amigos, disse ele.

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“Seja julgando os outros, mantendo-me em um padrão superior ou sendo insistentemente perfeccionista – em todas as formas em que vivi minha vida – minha experiência me fez ver que, se você não é gentil e compassivo consigo mesmo, é difícil fazer o mesmo pelos outros”, disse Harris. “Eu simplesmente não queria mais viver minha vida assim”.

Harris, que é fundador da Global Infrastructure Partners de Manhattan, uma empresa de capital próprio que se concentra em áreas como energia e resíduos, conversou com sua esposa e com vários educadores da UCLA (universidade que cursou em 1984) e elaborou um plano para a academia de bondade.

Fessler, diretor da academia, é um dos vários professores que trabalham com o instituto. Ele terminou recentemente um estudo que se concentrou em descobrir se a bondade pode fazer surgir uma resposta emocional que se torna contagiosa. Resposta: sim.

A pesquisa: uma experiência emocional de bondade

O professor de antropologia e seus voluntários de pesquisa selecionaram aleatoriamente cerca de 8.000 pessoas em Los Angeles para ganhar US$ 5 (aproximadamente R$ 20) assistindo a um vídeo leve de uma pessoa fazendo backflips (sequência de movimentos corporais em que uma pessoa pula e gira no ar) ou a um vídeo emocional de um jovem realizando atos gentis para estranhos.

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No final de cada visualização (o vídeo que cada pessoa assistia era decidido por um sorteio), as pessoas tinham a opção de doar US$ 5 ou qualquer outra quantia que desejassem para um hospital infantil local, disse Fessler.

“Eles colocaram o que eles queriam em um envelope acolchoado enquanto o pesquisador dava as costas, e então o envelope foi entregue a outro pesquisador que registrou o valor e o encaminhou ao hospital”, disse ele.

Os participantes que receberam o vídeo apresentando atos gentis foram mais generosos com suas doações, observou Fessler.

“Então, quando as pessoas são expostas a uma experiência emocional de bondade, é mais provável que respondam da mesma forma”, disse ele. “Podemos prever quem terá isso ou não? Sim, podemos. Mas depende do tipo de expectativa que eles têm sobre outras pessoas”.

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Uma pessoa cínica que assiste ao vídeo de bondade e acha que o benfeitor é um otário ou quer explorar pessoas, não tem tanta probabilidade de doar comparado a uma pessoa que sai pensando que sua comunidade está cheia de pessoas boas, disse Fessler.

“Quando as pessoas recebem esse impulso emocional, elas se tornam mais pró-sociais”, disse ele. “As pessoas que estudamos usaram palavras como ‘exaltado’, ‘movido’ e ‘lágrimas nos olhos’ para descrever como se sentiam internamente. Uma pessoa me disse: ‘sinto vontade de abraçar um filhote de cachorro’”.

“A gentileza nunca foi tão necessária”

Fessler gosta de comparar seu experimento com a história da vida real daquelas 167 pessoas que pagavam as refeições um do outro no McDonald’s. “O ato de cada indivíduo estimulou outra pessoa a se envolver em comportamento pró-social”, disse ele. “Se as pessoas estão sempre interagindo umas com as outras, teoricamente, isso pode elevar a comunidade a um ponto em que as pessoas são mais cooperativas umas com as outras”.

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Numa época em que as pessoas trocam farpas políticas com estranhos online e algumas optam por passar horas todos os dias isoladas com seus telefones, a gentileza nunca foi tão necessária, disse ele. Fessler disse que passou anos trabalhando na Indonésia e aprendeu um ditado: “Não há marfim que não seja quebrado”.

“É uma metáfora para ‘todos somos imperfeitos’”, disse ele. “Para qualquer um de nós dizer: ‘Meu caminho é o caminho certo e eu tenho os únicos valores certos’ é não reconhecer que todos nós podemos ser mais gentis e tolerantes. Estamos todos juntos no mesmo barco salva-vidas”.

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