“Nunca é tarde para aprender”. Essa é a frase que Carlos Ulisses Figueira, de 57 anos, falava para quem o via estudando pelas ruas do Rio de Janeiro com seus cadernos velhos, algumas apostilas e uma mesa improvisada. “Tinham pessoas que me elogiavam e outras que me criticavam, mas não desanimei”, relata o carioca, que viveu em situação de rua durante quatro anos e encontrou na educação a chance para recomeçar. “Foi o início de tudo”.
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Técnico em mecânica, petróleo e gás por mais de duas décadas, ele estava acostumado com bons salários e tinha companhia constante de familiares e amigos. No entanto, isso mudou em 2014, quando enfrentou o divórcio, o desemprego e a frustração. “Meu dinheiro foi acabando, comecei a morar de favor e, como não consegui trabalho, acabei indo para a rua”, conta o homem, ao lembrar a profunda tristeza que sentiu naquele período. “Cheguei ao ponto de pensar em tirar minha vida, mas não tive coragem”.
E foi durante essa fase de angústia que Carlos ingressou no projeto Acelerando a Escolaridade, coordenado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ). “Ali eu me sentia bem porque recebia carinho e passava minhas tardes na sala de aula aprendendo Matemática, História, Geografia e outras disciplinas”, recorda o estudante. Inclusive, “gostava tanto de aprender que usava meu tempo embaixo da marquise copiando assuntos da apostila e adiantando o conteúdo que iriam cair no decorrer da semana”.
Com tanto empenho, ele chamou a atenção dos funcionários da DPRJ e, no início de 2020, foi convidado para aproveitar uma parceria da instituição com o Colégio Pedro II, que foi fundado em 1837. “Eu já tinha visitado essa escola em uma palestra e me encantado com as coisas antigas que têm lá, as estátuas de filósofos e o auditório deles”, comenta o estudante, feliz com a oportunidade de se tornar aluno daquela escola. “Só que aí veio a pandemia”.
Diante do cenário de Covid-19, não foi possível sentar nas belíssimas cadeiras de madeira que ele havia visto no colégio. Em vez disso, precisou acompanhar as aulas online por meio de um tablet que ganhou.
Assim, “minha sala era a marquise da Defensoria Pública e eu usava a internet dali”, relata o estudante de 57 anos, proativo e com muita vontade de aprender. “Ele nos surpreendeu positivamente”, afirma a professora Vivian Costa França.
Mudança de vida
Coordenadora do programa educacional para jovens e adultos oferecido pelo Colégio Pedro II – o Proeja –, ela sabia da situação de vulnerabilidade em que Carlos se encontrava e viu a imensa dedicação dele. Por isso, “sempre foi uma alegria vê-lo virtualmente participando dos encontros e interagindo”. Além disso, comemorou com ele as vitórias que vieram nos meses seguintes.
“O projeto Amor de Rua, por exemplo, falou que a marquise não era meu lugar e pagou o aluguel de uma quitinete, onde pude morar e estudar por quatro meses”, festeja Carlos, agradecido. Nesse período, seu currículo também foi enviado para diversas empresas e, em março deste ano, o técnico em mecânica conseguiu emprego na sua área em uma companhia de Santo André, São Paulo. “Agora, continuo estudando e quero incentivar outros colegas de rua a fazerem o mesmo”, adianta o carioca, afirmando que a vida é como a água de um rio.
“Assim como ela passa e não volta mais, também temos que levantar, bater a poeira e olhar para frente, pois, mesmo que não acreditemos, a vida tem muita coisa boa para nos oferecer”, finaliza.