Estava chovendo e uma grande fila aguardava na Rua da Lapa, no Rio de Janeiro, para receber refeições preparadas por alunos de Gastronomia e servidas, todos os dias, gratuitamente. “As pessoas foram entrando no refeitório, e a 100ª vaga daquela noite seria de um homem em situação de rua”, conta a voluntária Eloisa Aquino, emocionada ao lembrar da atitude daquele senhor.
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“Quando viu que seria o último, o homem pediu que sua senha fosse entregue a uma mulher com o filho no colo que estava logo atrás, explicando que ele aguentaria a fome, mas a mãe com a criança, não”, relata a empresária de 67 anos, ao afirmar que situações assim são comuns entre os beneficiados pelo projeto. “As pessoas que mais precisam são as que mais nos ensinam sobre solidariedade”.
Por isso, ela e centenas de profissionais da área de gastronomia têm dedicado seu tempo e conhecimento em 70 Cozinhas Solidárias espalhadas pelos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Bahia e Amazonas. “E também temos um núcleo na Cidade do México”, conta o chef de cozinha David Hertz.
Fundador da ONG Gastromotiva em 2006, ele começou a oferecer gratuitamente cursos de Formação em Cozinha para pessoas de baixa renda que sonhavam em trabalhar na área, mas não tinham condições de pagar uma faculdade de Gastronomia. “Eu dava as aulas na cozinha da minha casa, e o valor que conseguíamos com as refeições vendidas custeavam a formação dos alunos”.
Dessa forma, eles se tornaram cozinheiros profissionais com ênfase na gastronomia social e replicaram o conhecimento em suas comunidades. Além disso, David conta que o projeto começou a ser divulgado em eventos nacionais e internacionais, atraindo a atenção de grandes empresas como PepsiCo e Coca-Cola, que começaram a financiar ações da Gastromotiva e proporcionar a distribuição gratuita de milhares de pratos.
“Ao todo, já formamos gratuitamente mais de 6,4 mil jovens e oferecemos quase 2 milhões de refeições gratuitas”, comemora, ao citar que a organização também passou a contratar ex-alunos para abrirem cozinhas solidárias em suas residências, produzindo marmitas de qualidade para quem precisa e oferecendo educação nutricional.
E todos os profissionais envolvidos na ONG usam os alimentos em sua totalidade – da raiz às folhas –, ensinando isso à comunidade, incentivando o consumo de receitas saudáveis e evitando o desperdício de mais de 300 toneladas de comida. “Sem contar que apoiamos empreendedores locais, ao adquirir produtos dessas comunidades e distribuindo entre nossas cozinhas solidárias”.
Carinho e amizade
Só que o trabalho vai além da educação profissional e do combate à fome. De acordo com a voluntária Eloisa Aquino, cada prato também é servido com carinho. “Olhamos no rosto da pessoa, escutamos o que ela tem para falar e fazemos amizade”, afirma a moradora do Rio de Janeiro, considerada “mãe adotiva” de muitos moradores de rua. “Eles são minha segunda família e me deram a força que precisei para superar a morte do meu esposo, em 2016”, lembra.
Por isso, Eloisa tem certeza de que o trabalho voluntário ajuda todos os envolvidos, e ela incentiva outros profissionais da gastronomia e de áreas como economia, administração, informática e comunicação a também colaborarem.
Além disso, informa que é possível realizar doações financeiras por meio do site da Gastromotiva ou sugerir parcerias pelo e-mail captacao@gastromotiva.org. “A gente acha que vai beneficiar alguém, mas, no final das contas, os maiores beneficiados somos nós”, finaliza.