A crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus põe em evidência que não é possível pensar a economia e as pessoas como duas realidades separadas. É o que há muito defendem vários movimentos econômicos e culturais, como a Economia de Comunhão, fundada por Chiara Lubich em 1991. O movimento tem realizado uma série de iniciativas para apoiar os empresários que dele participam, bem como o ecossistema de suas empresas.
No Brasil, a Associação Nacional por uma Economia de Comunhão (Anpecom) já realizou dois webinars para que empreendedores compartilhassem suas experiências nesse período. Nas conversas virtuais, que reuniram 87 e 62 empresários cada uma, são relatadas histórias de redirecionamento das atividades da empresa, fechamento, demissões e soluções alternativas para resistir à crise – mas sempre com o olhar voltado para todas as pessoas envolvidas.
"Recebemos um feedback muito positivo desse encontro virtual, porque os empresários e empresárias sentiam a necessidade de encontrar um espaço em que pudessem compartilhar seus desafios, suas angústias, suas dificuldades e também as suas tentativas de reposicionamento e de ressignificação do próprio negócio e do próprio propósito interior como empresário ou empresária", conta a presidente da Anpecom, Maria Helena Fonseca Faller, professora universitária e também ela empresária.
Maria Helena explica, ainda, que em cada encontro a Anpecom optou por tratar de um argumento técnico que seja útil para os empresários e empresárias na condução da empresa no momento de enfrentamento da crise causada pela pandemia. "Mas as conversas também abordam todos os aspectos da vida da empresa, do cotidiano do empresário ou empresária e de seus aspectos pessoais", diz. "Quando você trata de um negócio a partir da perspectiva técnica, você não aborda caixas ou gavetas. A empresa é um organismo vivo formado por diversos aspectos".
Histórias de cuidado
Às vezes, o que alimenta a esperança são pequenos gestos de atenção e cuidado entre empregadores e empregados – como o do empreendedor que, percebendo que seus funcionários não tinham boas instalações para trabalhar em regime de home office, fretou as mesas e cadeiras do escritório para a casa de cada um, ou o do gerente de uma empresa de alimentação enteral (por sonda) que deixou de tirar férias devido ao aumento da demanda. "Quando o empresário lhe agradeceu por isso, o gerente afirmou que via que na empresa existe essa cultura de olhar para o outro e que sentia que era importante agir assim", conta Maria Helena.
Em outros casos, toda a empresa muda a sua rotina. Uma empreendedora, por exemplo, reorganizou a sua empresa de suvenires para que produzisse máscaras. Já um empresário do ramo do turismo, impossibilitado de vender passagens, simplesmente entendeu que se tratava de um momento oportuno para valorizar os clientes. "Então os funcionários começaram a fazer ligações para os clientes para conversar e saber como eles estavam diante do isolamento", relata a presidente do organismo. "Posteriormente ficamos sabendo que outras empresas adotaram a mesma ação em suas empresas após ouvirem esse empresário".
"Esses relatos são muito importantes para nossa associação que tem como objetivo a formação de redes de empresas que querem reduzir a pobreza e construir uma sociedade mais justa e ética", aponta Maria Helena. "Mesmo diante da crise notamos que nossos empresários mantêm esse desejo e queremos reunir outros empresários que ainda não fazem parte da nossa rede, mas que compartilham desse objetivo conosco".
Mesmo nas dificuldades
É claro que o cenário é conturbado. "Existem empresas dentro da Economia de Comunhão que estão sendo fechadas nessa perspectiva da crise", reconhece Maria Helena. "Isso não é necessariamente porque a empresa não inovou ou porque o empreendedor se desencorajou. É porque existem mercados que estão sofrendo fortíssima retração econômica e existem empresas que estavam em contextos de endividamento devido a investimentos feitos em um cenário que foi alterado sensivelmente com a pandemia", explica. Nesse contexto, de acordo com ela, fechar é um ato de responsabilidade para com os credores, a comunidade e os próprios empregados. A diferença é na forma como se vive a necessidade de fechamento ou de demissão.
"Procuramos auxiliar os colaboradores a se recolocar e entender se existem necessidades de ordem material para serem sanadas”, explica a presidente da Anpecom. Ela mesma precisou demitir um colaborador. "Minha chefe de fábrica ficou sabendo que ele passava por uma necessidade material. Ela não conseguiu falar comigo, mas em três horas obteve três cestas básicas e muitos mantimentos para ele. Depois ela veio falar comigo para perguntar o que poderíamos fazer para ajudar enquanto empresa, mas como colaboradora ela já tinha feito toda essa articulação. Isso porque vivemos uma cultura de Economia de Comunhão dentro da nossa empresa", conta ela.
E é nessas dificuldades que empresários e empresárias também encontram uma mão estendida nas conversas virtuais organizadas pela Anpecom, ou em outras iniciativas da associação, como o Linkódromo – onde são postados links úteis para o empresário neste momento de crise. A associação também está promovendo uma campanha de assistência em favor de três comunidades em situação de vulnerabilidade econômica e social, duas na Bahia e uma no Amazonas. O objetivo é oferecer cestas básicas e botijões de gás, de modo a beneficiar cerca de 360 famílias.
"Às vezes esquecemos que o que faz uma empresa nascer e o que a sustenta depois como seu coração são seus acionistas, porque são eles que decidem até onde vão dar espaço para os colaboradores, quanto vão compartilhar de recursos e que identidade a empresa tem", explica Maria Helena. "Esses sujeitos, empresários e empresárias, precisam ser enxergados como pessoas, que têm angústias, necessidades e desafios e que são grandes inovadores sociais, justamente porque arriscam o patrimônio e as próprias vidas para gerar trabalho e riqueza social, produzindo bens e serviços. Essa é a visão que a Economia de Comunhão tem dos empresários e empresárias".