É fato que as características físicas do ambiente a nossa volta interferem diretamente em nosso humor e comportamento. E quando se trata de um ambiente onde convivem crianças e adolescentes o impacto pode ir muito além, visto que os pequenos estão em pleno desenvolvimento. Paredes cinzas, móveis quebrados e danificados, ambiente escuro. Nada disso parece combinar com a alegria típica das crianças.
Siga o Sempre Família no Instagram!
Só que, infelizmente, essa é a realidade de boa parte dos espaços públicos em nosso país, observa a arquiteta pernambucana Patricia Chalaça, de 51 anos. E foi para trazer mais cor e qualidade de vida para crianças e adolescentes de baixa renda que ela criou, junto com seu marido, o também arquiteto Marcelo Souza Leão, o Projeto Casa da Criança.
O objetivo do projeto é defender os direitos das crianças e adolescentes melhorando a qualidade de atendimento em abrigos, creches, espaços para adolescentes, instituições de apoio às pessoas com deficiência e casas de atendimento às crianças com câncer.
Na prática, o trabalho se dá por meio de reformas nessas instituições ou da construção de espaços novos. Hoje, a iniciativa conta com a atuação de arquitetos, decoradores, construtores e empresas do ramo de construção de 16 estados do país e, ao todo, mais de 200 mil crianças já foram beneficiadas.
Como tudo começou
“Tive uma infância de muita sorte. A família do lado do meu pai me proporcionou uma boa educação, estudei em bons colégios, pude estudar no exterior”, conta a arquiteta. “Por outro lado, do meu lado materno, meu avô morava na praia, era filho de pescador. Então, nas minhas férias de infância, eu convivia com crianças que andavam quilômetros para poder ir para a escola. E quando eu voltava para casa, eu ia de motorista para o colégio”, recorda. “Desde pequena, tinha algo muito forte dentro de mim que me dizia que aquilo não era justo”.
Então, movida por um grande desejo de retribuir as oportunidades que teve na vida, em 1999, Patricia começou a procurar algum abrigo com o qual pudesse contribuir de alguma forma. Encontrou o abrigo público Casa de Carolina, em Recife, Pernambuco. Em seguida, ela e o marido decidiram pegar a planta do espaço e montar um projeto de reforma.
“Era um espaço realmente muito triste, onde tinham 100 crianças morando por dentro de muros cinzas, tudo sem graça, tudo quebrado”. Então, o casal convenceu outros arquitetos a “adotar”, cada um, um ambiente do abrigo. Surpreendentemente, 60 arquitetos e decoradores aceitaram o desafio. Além disso, várias empresas também começaram a contribuir doando os materiais e a mão de obra. E foi assim, unindo forças, que o projeto concluiu sua primeira instituição.
No dia da inauguração, Patricia lembra que não pôde conter a emoção ao entregar a casa reformada e “colorida” para aquelas crianças. “Para mim, parece que foi ontem porque é muito vivo todo o sentimento que a gente viu de felicidade nos olhos daquelas crianças”.
Expansão
Quando a arquiteta pensou que iria para casa com a sensação de missão cumprida, a repercussão desse primeiro trabalho mostrou que ela poderia fazer muito mais. Na época, a iniciativa foi divulgada por meio de reportagens em revistas e emissoras de televisão e, logo depois, arquitetos de outros estados começaram a entrar em contato com Patricia querendo participar do projeto.
“Meu telefone não parava de tocar, eu não podia dizer que não iria fazer uma segunda instituição”, conta. “Eu percebi o quanto tinha sido impactante o trabalho que a gente tinha feito e o quanto, de fato, ele era inovador”. Assim, no ano seguinte, mais três instituições em diferentes estados foram beneficiadas com a reforma de seus espaços.
Uma metodologia do projeto foi oficialmente formatada e, dessa forma, contando com o trabalho de várias equipes de voluntários – chamados de franqueados sociais –, as ações começaram a se espalhar pelo Brasil. De lá para cá, mais de 50 instituições já foram reformadas ou construídas.
Quando a arquitetura transforma vidas
Ao olhar para trás e ver tudo o que o projeto já realizou, Patricia conta que se sente extremamente grata. Os frutos são muitos ao longo dos anos. “A gente sabe de crianças e adolescentes que estavam ali pegando caranguejo em Goiana, no interior de Pernambuco, e que depois entraram numa faculdade. A gente vê o apoio que a gente deu à Dona Cristina, que tirou crianças do lixão da Moribeca. Tinha uma instituição onde as crianças faziam as necessidades num buraco no chão, quando eu estive lá pela primeira vez, eu fiquei chocada [...] e ver depois a instituição com sala de aula, com parceiros, com atividades sendo feitas...”.
Segundo a arquiteta, uma outra missão do projeto é também mobilizar, num segundo momento, voluntários das áreas de educação, saúde, esportes, lazer, arte e cultura. “Com isso, a gente mobiliza universidades, centros da área de saúde, tudo para oferecer uma melhor estrutura para aquela instituição”, afirma. “O que eu posso dizer é que a gente tem muita gratidão no coração por ter tantas pessoas boas e especiais que cruzaram nosso caminho”.
Planos futuros
E se por um lado, a gratidão é grande por tudo o que já foi realizado, por outro, há a compreensão de que ainda há muito trabalho a ser feito. “O Brasil é tão grande que são milhões de crianças que precisam da nossa ajuda”.
Com a pandemia de Covid-19, a arrecadação de recursos para o projeto, infelizmente, diminuiu muito. Mas, segundo Patricia, todo mal traz um bem. “Começamos a desenvolver agora uma nova metodologia, onde a gente vai conseguir dar treinamento e capacitação, formando novos franqueados em diferentes estados e cada um poderá criar seu próprio projeto. Acredito que vamos atingir um número ainda maior de crianças”, afirma a fundadora.
“Se envolver em um trabalho como esse, eu digo que é um caminho sem volta. É um trabalho incessante, apaixonante, e que a gente realmente sempre quer fazer mais e melhor”.