Tarefas simples como amarrar o cadarço, cortar a carne durante as refeições e andar de bicicleta pareciam impossíveis para o pequeno David Aguilar. Com uma deformidade rara que afeta uma em cada 100 mil crianças, ele nasceu sem o antebraço direito, tinha pouco equilíbrio e sofria por ser “diferente”. “Em qualquer lugar que eu fosse, as pessoas só olhavam para o meu braço”, recorda o rapaz, que hoje tem 19 anos, construiu sua própria prótese utilizando peças de lego e estuda bioengenharia na Universidade Internacional da Catalunha, Espanha.
Ele nasceu com 2% de visão devido a uma doença incurável, mas se tornou artista plástico
Em entrevista ao Sempre Família durante o Let’s Go Festival – evento de educação e inovação que aconteceu em Curitiba no início de setembro –, ele contou que os períodos mais difíceis que viveu foram na infância e na adolescência, quando enfrentou olhares e comentários preconceituosos de vários colegas. “Eu sofria muitos ataques verbais. Me chamavam de manco, sem braço e outras coisas duras de se ouvir”, conta David. “Uma menina até se negou a namorar comigo porque as amigas estavam rindo dela por sair com um menino sem braço”.
Situações assim fizeram com que David sempre vestisse casacos na tentativa de esconder que havia nascido com a síndrome de Poland. Só que colocar a manga da blusa no bolso não solucionaria seu caso e os pais tentavam lhe mostrar isso o incentivando a usar camisetas de manga curta, dar ouvidos aos bons amigos e pedir ajuda quando precisasse de algo. “Também perguntamos se ele queria uma prótese porque faríamos o possível para adquirir uma. Só que ele não quis”, recorda a mãe Nathalie Amphoux, que trabalha como agente de viagens.
Aos poucos, ela percebeu que o filho já conseguia fazer várias atividades sozinho usando apenas a mão esquerda e gostava muito de montar barcos, aviões e outros itens com peças de lego. “Só que eu e meu marido não imaginávamos que ele também faria uma prótese usando seu brinquedo favorito”, conta a moradora de Andorra — país de 70 mil habitantes localizado entre França e Espanha.
As próteses
Com apenas nove anos, o garoto usou os acessórios disponíveis em suas caixas de lego e alguns cabos de metal para montar um dispositivo que pudesse ser encaixado no osso do seu braço direito. O equipamento abria e fechava mecanicamente e tinha uma pinça na ponta para pegar objetos. “Na época foi muito útil, porque aquela prótese simples também me ajudava no equilíbrio e eu podia até correr na escola”, afirma o rapaz.
No entanto, foi apenas aos 18 anos que o garoto aprimorou seu invento e surpreendeu o mundo com o resultado. Durante uma semana, David se trancou em seu quarto e passou o tempo testando peças de lego com bateria. Seu objetivo era desmontar um helicóptero e confeccionar algo bem diferente. “Não decidi construir uma prótese. Aquilo aconteceu como se eu estivesse montando um avião ou uma nave espacial”.
Sem saberem o que o filho estava “aprontando” no quarto, Nathalie e o marido Fernando Aguilar ouviam apenas o barulho dos motores de lego e tentavam imaginar o que o rapaz faria. Mas em momento nenhum imaginaram que pudesse ser uma versão tão aprimorada da prótese montada nove anos antes. “Estávamos acostumados a ver nosso filho a vida inteira com metade do braço e ele apareceu na sala com um braço inteiro construído com peças de plástico. Foi emocionante”, conta a mãe.
“Estávamos acostumados a ver nosso filho a vida inteira com metade do braço e ele apareceu na sala com um braço inteiro construído com peças de plástico. Foi emocionante”, conta a mãe.
Ainda que não precisasse de uma prótese para realizar suas atividades diariamente, a construção do equipamento com materiais tão simples incentivou David a cursar bioengenharia para ajudar pessoas com necessidades especiais e inspirar gente do mundo inteiro. “Meu marido fez um vídeo da prótese, postou no Facebook e pessoas de diversos países entraram em contato para parabenizar o David”.
Além disso, colegas que estudavam com ele também gostaram da criação e um até comparou o braço de lego com as roupas especiais usadas pelo Homem de Ferro, da Marvel. “Foi aí que eu tive a ideia de chamar minha prótese de MK 1, que é o nome da primeira armadura desse personagem”, comenta o rapaz.
Depois de confeccionar esse braço de lego, o rapaz já montou outras três versões: a MK 2, MK 3 e MK 4. Na mais recente, ele utilizou um sistema de pistões e motores para realizar os movimentos de levantar e baixar o braço. “E nessa prótese eu coloquei dedos e consegui abri-los também”, comemora David, que recebeu bolsas de estudo para quatro instituições de ensino superior da Europa e iniciou o curso que queria na Universidade Internacional da Catalunha.
Sonhe!
Hoje, além de dedicar tempo às atividades do curso e às peças de lego, o rapaz também realiza algumas palestras motivacionais em diferentes lugares do mundo e administra um canal de música no Youtube chamado Hand Solo. “É uma brincadeira com o nome do personagem de Star Wars, que gosto muito. Só que uso ‘hand’, que significa ‘mão’ para indicar que tenho uma mão só”, brinca.
Para ele, as atividades que realiza mostram que não há problema ou dificuldade que impeça alguém de sonhar. Por isso, ele incentiva outras pessoas com necessidades especiais a buscarem seus objetivos. “Você é a única pessoa neste mundo que pode convencê-lo a lutar pelo que quer”, garante. “Eu sou igual a você e hoje posso fazer tudo o que você pode”, finaliza.
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