Este é o primeiro texto de uma série sobre educação para as virtudes, que começamos a publicar. Toda quarta-feira traremos uma nova virtude e como ela pode ser estimulada nos filhos, pelos pais. Começamos explicando o que significa educar para as virtudes e sua importância.
Contribuir para a criação de bons hábitos nos filhos é, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos pais. Comer e dormir bem, ler, estudar. Não à toa a internet está cheia de cursos que garantem revelar o segredo do desenvolvimento dos tais bons hábitos. Tudo bem, hábitos como esses são realmente bons para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Mas é preciso ter em mente que criar bons hábitos significa, na verdade, desenvolver as virtudes e vencer os vícios. E isso vai muito além daquilo que qualquer curso pode ensinar.
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Inspirado na definição de Aristóteles, o professor e autor de material didático em Filosofia Matheus Cedric Godinho explica que a virtude é a prática do bem. É a capacidade de agir bem em vista da felicidade – partindo do princípio de que a felicidade é a realização do bem comum e não uma felicidade egoísta. Ou seja, "agir de maneira virtuosa é agir de modo consciente em prol do bem comum para a plena realização da felicidade de todos", afirma. Podemos dizer que "a virtude é um caminho de felicidade".
Mas como nascem as virtudes? Elas não nascem com a gente, lembra o professor. E aí está a importância da educação. "A virtude se aprende praticando, se aprende vivendo, por isso é um exercício de vida", afirma Godinho.
Quanto antes melhor
Você já deve ter percebido que aprender algo novo é sempre muito mais fácil para uma criança do que para um adulto. E isso não acontece só porque as crianças são naturalmente mais curiosas e dispostas.
Um estudo divulgado em 2013 na publicação científica The Journal of Neuroscience, no qual cientistas de Londres e de Rhode Island, nos EUA, estudaram o desenvolvimento cerebral de crianças com idades entre um e seis anos, indicou que o nosso cérebro é, realmente, mais maleável nos primeiros anos de vida. Isso porque a mielina, substância que "isola" o circuito neural, é fixada apenas a partir dos 4 anos, explica reportagem da BBC sobre o estudo. Ou seja, os pesquisadores chegaram à conclusão que as influências exteriores que recebemos durante a infância serão sempre mais fortes do que em qualquer outra fase da vida.
Para Lelia Cristina de Melo, psicóloga clínica e orientadora familiar, especialista em neuropsicologia, educação e desenvolvimento familiar e pessoal, essa é uma oportunidade que os pais não podem deixar passar. "Quanto mais cedo os pais procuram desenvolver nos filhos as virtudes, de uma maneira mais eficaz eles absorvem essas qualidades e passam a adotar para si na sua conduta humana", explica. "É muito difícil uma criança passar a ser virtuosa, a ter alguma das virtudes humanas, sem que haja a educação dessas virtudes principalmente dentro da família".
Se aprende em casa
Aqui, é importante lembrarmos que o ser humano é um ser social, logo nós não aprendemos nada sozinhos. Godinho destaca que são as relações ao nosso entorno que mediam nosso aprendizado. Segundo ele, desde crianças, todos nós aprendemos por observação, pelo exemplo, e por repetição, por elaboração daquilo que vemos e sentimos.
"Uma criança que não é educada, que não é instruída pela comunidade ao seu entorno dificilmente vai desenvolver sozinha aqueles critérios morais necessários para que ela aja segundo virtudes de responsabilidade, de compaixão, de empatia, de coragem, enfim, valores nobres que para nós são fundamentais", afirma. "A educação é um processo humanizador, que nos torna de fato humanos".
Na prática
No dia a dia, o importante é que a educação das virtudes aconteça de uma maneira muito natural. Segundo Lelia, os pais até podem explicar sobre as virtudes, falar sobre a coragem, a obediência, a responsabilidade, a prudência e tantas outras, mas acima de tudo é preciso estimular os filhos de maneira entusiástica. "O entusiasmo é uma arma muito potente para estimular a virtude", observa a psicóloga.
Além disso, deve-se ter cuidado com as frases prontas – e até agressivas – que podem "incentivar" de maneira negativa uma determinada virtude. Por exemplo, "o que você está pensando? Tem que aprender a se esforçar! A vida é dura para quem é mole" etc. Esse tipo de estímulo não é nada eficaz. "As virtudes devem ser desenvolvidas na família em um contexto muito suave, muito alegre, muito motivador", pontua.
Filhos de pais muito frágeis e inseguros, que não têm convicção de seus valores e falam muitas amenidades, acabam sendo facilmente desviados do caminho da virtude. Lelia lembra que todos nós sofremos influências, mas que crianças e adolescentes são sempre mais vulneráveis e, por isso, podem ser muito influenciados positiva ou negativamente por outras crianças, por personagens de livro e de televisão, por vídeos do YouTube, por influencers, etc.
Agora, como impedir as influências ruins? Por meio do protagonismo do pai e da mãe. "Um pai e uma mãe muito presentes, muito acessíveis, que orientam bastante, conversam muito, mostram os prós e os contras, as causas e as consequências do bem e do mal, esses pais se aliam aos filhos, criam laços, criam vínculo. E aí, quando os filhos vão para o mundo, eles têm aqueles pilares educacionais, aqueles conceitos já muito bem trabalhados pelos seus pais".