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A Chesed – Pais por Adoção foi fundada para oferecer aos pais no processo de pós-adoção o aconselhamento necessário para a nova fase| Foto: Arquivo pessoal

Em 2012, aos 43 anos, Ingrid Mendes poderia dizer que já estava realizada. Casada há 26 anos com o marido, Marcos, e mãe de três jovens, já criados na época, a então dona de casa estava decidida a deixar para trás o sonho antigo da adoção. Afinal de contas, quem é que seria capaz de criar mais de três filhos no Brasil?

Todas as dúvidas caíram por terra no dia em que Marcos viu um cartaz sobre a guerra no Iraque durante pesquisas na internet. Na imagem impactante, uma criança chorava aos pés de um soldado. O que teria acontecido com esse menino? A dúvida foi o gatilho para o casal decidir que já era a hora de mudar a vida de uma criança. O que mal sabiam é que não seria necessário atravessar o oceano para encontrar quem precisasse de apoio.

Pouco tempo depois, numa caminhada pelo centro de Curitiba, o os dois se depararam novamente com imagens chocantes, dessa vez de uma campanha de adoção, onde crianças contavam suas histórias, desejos e sonhos e terminavam explicando o motivo pelo qual eram “inadotáveis”. Inadotável? Nenhuma criança deveria receber essa alcunha, contestou Ingrid.

O casal então transformou toda aquela indignação em motivação para, finalmente, dar os primeiros passos no processo de adoção. Pouco tempo depois, eles iniciaram os trâmites e foram conhecer três crianças que viviam em um abrigo. Por lá, eles descobriram que, além delas, outras duas crianças da mesma família aguardavam uma nova chance para recomeçar suas vidas. Os cinco eram irmãos e havia a possibilidade de adoção conjunta com outro casal para que, se tudo desse certo, os dois grupos não tivessem anulado o contato e o pouco vínculo familiar que ainda restava.

“Eles já perderam tantas coisas, não seria justo perderem também os únicos irmãos”, lembra Ingrid. Estavam decididos: “ou adotamos os cinco juntos ou não adotamos nenhum”, proclamou Rafael, filho biológico do casal. Então, em 2013, a casa da família Mendes ganhou cinco novos moradores: Taynara, então com 11 anos, Andréia (9), Cristofer (7), Emely (5) e André (4), que se juntaram aos irmãos mais velhos Aryanne (22), Carolynne (19) e Rafael (18).

Organização

Com mudanças tão radicais, todos tiveram que readaptar suas rotinas para dar conta das tarefas domésticas. O ático do sobrado foi transformado em um novo quarto para abrigar os cinco jovens. A família toda teve que trabalhar. Os mais velhos entraram no processo para ajudar a cuidar dos mais novos. “A gente mudou tudo. Todos que estavam na casa se envolveram e isso foi muito importante”, lembra Ingrid.

O comportamento das crianças nos primeiros meses parecia perfeito. Os cinco eram exemplares em suas ações e não costumavam brigar, o que chamou a atenção do casal. Somente mais tarde Ingrid foi descobrir que aquela calmaria toda era parte de um acordo entre os irmãos, que tinham medo de serem devolvidos ao abrigo. Ingrid lembra que apesar de não ser comum, infelizmente essa é uma realidade nos processos de adoção.

Muitas famílias acabam criando bastante expectativa com relação ao filho adotivo e com o passar do tempo ficam frustradas ao se deparar com a realidade e as dificuldades de todo o processo. Essas crianças acabam sendo hipervalorizadas pelos pais, que não admitem decepções. “Acontece de famílias fazerem a adoção e depois devolverem a criança, dizendo que não pensavam que era assim, que o filho adotivo não obedece ou que não tem respeito”, diz.

Os três filhos biológicos de Ingrid também passaram pelo processo de readaptação com a nova rotina. Se antes as atenções estavam todas voltadas para eles, com o tempo, esse processo se inverteu e a chegada dos novos irmãos consumiu muito dessa dedicação dos pais, que antes era quase exclusiva. “Aprendemos a dividir o tempo. Reservamos alguns programas para fazermos individualmente, com cada um deles para não negligenciar um ou outro”, conta Ingrid.

Renascimento

Para celebrar a nova vida das crianças, Ingrid e o marido decidiram promover uma cerimônia de “renascimento” dos novos filhos, simulando um parto natural para cada um deles. Usando um lençol, Ingrid recriou o processo para cada um dos cinco novos filhos, para que eles sentissem como se tivessem realmente saído de dentro dela. A medida que as crianças foram conduzidas para fora do pano, eram recebidas com festa. “Foi emocionante“, destaca ela. “O mais novo se comportou como se realmente fosse um bebê e a celebração fortaleceu ainda mais os vínculos familiares entre nós.”

Memórias afetivas

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, atualmente existem 34.697 crianças e jovens acolhidos no Brasil, das quais 7.375 estão aptos para adoção. Do outro lado, 36.711 pretendentes estão cadastrados e esperando uma oportunidade de adotar. Numa primeira análise, acreditamos que essa conta deveria fechar facilmente, afinal, existem quase cinco pretendentes para cada criança. O problema é o perfil bastante específico procurado por esses adotantes: a grande maioria busca crianças de zero a cinco anos de idade.

Muitos casais preferem adotar bebês mais novos, de colo, com o pretexto de que pretendem vivenciar e guardar na memória as lembranças do crescimento e desenvolvimento. Para Ingrid, no entanto, isso também é possível de se conquistar com as crianças mais velhas. A pedagoga guarda com muito carinho todas as cenas que presenciou ao apresentar aos novos filhos situações com as quais eles não estavam acostumados. “Nossa primeira vez na praia foi linda. As crianças ficaram admiradas com a beleza do mar”, diz. A primeira vez que eles viram um elevador ou uma escada rolante também gerou situações engraçadas e especiais, que ficaram registradas para sempre. O dia em que chegou a certidão de nascimento deles foi um momento emocionante na história da família Mendes. “Você vê no papel o seu nome junto ao nome deles.”

Chesed – Pais por Adoção

Ao longo de todo o processo pelo qual passaram, Ingrid e Marcos vivenciaram muitas experiências positivas, mas também sentiram as dificuldades por não ter com quem compartilhar as dificuldades da adoção. Existem muitas instituições de apoio para os pais que pensam em adotar, porém, são raras as organizações voltadas para aqueles que já concluíram o processo. “Foi uma adaptação difícil com as crianças. E por medo, ficamos meio isolados do mundo pelas críticas e julgamentos que recebemos. Então naquele primeiro ano, apesar de cada um se doar, eu não tinha com quem conversar sobre essas angústias”, comenta Ingrid.

Ao se oferecer para ouvir e aconselhar outros casais que também passam pelas dificuldades do processo de pós-adoção foi que ela, o marido e uma amiga decidiram criar a Associação Chesed Pais por Adoção. “As pessoas me procuravam e pediam para eu conversar com outras famílias que tinham adotado e estavam pensando em desistir. Essas conversas começaram aqui em casa. Da primeira vez, lembro que veio uma moça, que estava bastante agitada e confusa por não saber o que fazer. Nesse dia, vi que essas conversas não dariam certo aqui em casa e aí uma amiga topou o desafio de buscar um espaço e iniciar essa associação”, diz.

Desde então a instituição, fundada em 2015, tem ajudado famílias criadas por esse gesto de amor a viverem em harmonia. A base de voluntários, formada por pais e especialistas que experimentaram as dificuldades da pós-adoção, dedicam parte do seu tempo a mediar conflitos e fortalecer os vínculos familiares. Entre as ações estão rodas de conversa semanais, palestras e eventos que promovem orientação e diálogo para pais e também para os filhos adotivos, de maneira individualizada.

Uma das maiores dificuldades que a organização encontra é fazer a família reconhecer que precisa de ajuda. Geralmente, quando elas vão buscar auxílio, a relação com os filhos adotivos já está muito desgastada. Essas crianças e jovens são fruto de um abandono e essa é a única realidade que eles conhecem até então. São comuns muitas famílias relatarem os chamados “testes”, onde as crianças se comportam de maneira arredia, achando que logo serão abandonadas novamente, como ocorreu com a mãe biológica. “Para construir afeto com a criança leva tempo. Ela não vai confiar em você de maneira imediata. São muitas coisas que passam na cabeça dessas crianças e adolescentes e os pais precisam estar preparados para isso”, comenta Ingrid.

Adoções na pandemia

Os processos de adoção durante a pandemia não pararam, mas têm gerado novas dificuldades em razão da quarentena e do período de isolamento social. As crianças e jovens chegam aos novos lares em plena quarentena, tendo de viver praticamente 24 horas em um ambiente estranho com pessoas que ainda não estão vinculadas afetivamente, gerando situações de crise.

“Uma criança acostumada a viver numa casa lar, num grupo de jovens, de uma hora para a outra se vê em isolamento total, dentro deu uma casa, onde devem ter duas pessoas no máximo. Essa é uma situação de crise vivenciada pela criança e pela família, o que acaba dificultando ainda mais esse relacionamento”, diz.

De todo esse processo, Ingrid diz ter aprendido a ter mais resiliência e amor incondicional. “Quando você adota, idealiza e muitas vezes romantiza essa história, claro, pois não ficamos sonhando com coisas ruins. Mas muitas vezes esquecemos que para chegar num final feliz é preciso ralar muito.”

Para conhecer melhor o projeto basta acessar o site da Chesed, a página de Facebook, o Instagram ou o canal dele no YouTube.

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