Simone e o marido Eroni conseguiram vencer o luto e hoje ajudam outras famílias a superarem a mesma dor| Foto: Arquivo pessoal
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Cada minuto do dia 11 de setembro de 2005 está gravado na memória da comerciante Simone Farias Gomes como se fossem cenas de um filme. Mãe do pequeno Lucas, de 6 anos, ela estava lavando a louça do almoço no restaurante da família quando recebeu a notícia que mudaria sua vida para sempre: “meu filho tinha sofrido um acidente e ninguém sabia se ele ia resistir”, conta a moradora de Garuva, em Santa Catarina. “Quando escutei aquilo, meu mundo desabou. Minhas pernas travaram, não consegui sair do lugar”.

Momentos antes, o garoto havia lhe pedido para pegar jabuticabas em uma árvore do outro lado da avenida, e eles tinham combinado de irem juntos quando o turno de trabalho terminasse. Só que o pequeno começou a brincar no pátio do restaurante e acabou decidindo buscar as frutinhas antes do horário previsto. “Ele sempre foi bastante arteiro”, relata Simone. “Mas nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer com minha família”.

Por volta das 14h45, uma fila de carros se formou na pista que seguia para as praias, e o garoto se aproximou do meio-fio em busca do momento ideal para atravessar. Então, “uma pessoa que estava em um dos veículos fez sinal para que ele passasse, mas não viu a moto que se aproximava”, conta a mãe, emocionada ao citar detalhes do acidente. “A cabecinha do Lucas bateu direto no guidão da motocicleta, ele teve perda de massa encefálica, seu corpo foi arremessado para longe e a perninha ficou com fratura exposta. Era um verdadeiro pesadelo”.

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O garoto foi levado imediatamente para o posto de saúde do bairro e encaminhado, de helicóptero, ao hospital que atendia casos de traumatismo craniano na região. “Meu marido viu o Lucas lutando para sobreviver, mas eu só conseguia chorar”, recorda a catarinense, que se desesperou ainda mais ao ouvir as palavras do médico responsável pelo seu filho. “Ele nos chamou em uma sala e disse que a chance de o Lucas sobreviver era de apenas 1% e, se ele conseguisse, ficaria com graves sequelas”.

Foram três dias de expectativa enquanto o menino permanecia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, durante este período, Simone e seu marido, Eroni, recebiam diversas ligações do motociclista que havia atropelado seu filho. “Lembro que ele chorava no telefone, pedia desculpas e dizia que estava com o tênis do Lucas, que havia caído na hora do acidente”. Esse homem chegou a levar o calçado à igreja pedindo orações pela vida da criança e ligava diariamente para a família na esperança de que o menino se recuperasse.

No entanto, o pequeno apenas piorava e, três dias após o acidente, Simone e Eroni receberam a notícia de que seu primogênito havia sofrido morte cerebral. “Lembro de não acreditar que eu estava no enterro do meu filho. Aquilo parecia mentira, um pesadelo do qual eu estaria prestes a acordar”, relata a comerciante, ao citar como a vida se tornou difícil a partir daquele dia. “Eu não entendia o que tínhamos feito para merecer aquilo. Meu marido entrou em depressão profunda e eu não via motivo nenhum para continuar vivendo”.

O casamento dos dois ficou completamente abalado e a filha caçula, Heloísa, não recebia mais a atenção dos pais. “Eu mal conseguia olhar para ela, e nossa pequena só tinha 1 ano e meio”, recorda Simone, que percebeu tudo mudar a partir de um encontro inesperado no ano de 2007. “Eu estava trabalhando em uma loja da cidade quando vi aquele homem entrar e soube que ele queria conversar comigo”.

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Pedido de perdão

Sem imaginar de quem se tratava, ela se aproximou e, só então, descobriu que ali estava o motociclista que havia atropelado seu filho e ligado tantas vezes para a família durante o processo de internamento. “Eu nunca tinha visto ele. Então, lembro que dei a volta na loja, sentamos no sofá e começamos a chorar, os dois”. De acordo com a catarinense, o visitante mal conseguia falar e apenas pedia perdão, dizendo que não aguentava conviver com a culpa de ter matado uma criança naquele acidente. “Eu disse que o que tinha ocorrido não era culpa dele, mas uma fatalidade e, segurando sua mão, tentava consolá-lo”.

Os dois choraram juntos por aproximadamente 40 minutos e aqueles momentos fizeram com que Simone entendesse que a culpa também não era dela, nem de sua filha mais nova, de seu marido ou de qualquer outra pessoa. “Garanti àquele homem que meu coração de mãe não tinha ódio dele e que eu desejava tudo de bom em sua vida”. Além disso, a catarinense passou aquela noite pensando no que havia acontecido e, em prantos, decidiu seguir em frente e voltar a agir como mãe. “Afinal, minha filha também era um pedaço do Lucas e precisava de mim”.

Ela ainda aceitou participar de um encontro de casais promovido por uma comunidade religiosa e, em um fim de semana de muitas decisões, choro e aprendizado, renovou seus laços matrimoniais e percebeu que Deus poderia ajudá-la a superar completamente a morte do seu filho. “Ele nos daria a cura se abríssemos o coração e fizéssemos algo para aliviar a dor de outras pessoas sem esperar nada em troca”, relata Simone, que passou a aconselhar mães em processo de luto e a aproveitar cada momento vivido em família.

“Nossos filhos são emprestados a nós e não há como saber o que acontecerá no dia de amanhã. Por isso, devemos abraçar mais, beijar mais, brigar menos e educá-los com sabedoria e discernimento”. Além disso, ela garante aos pais que passaram pela mesma dor que as lembranças deixadas por um filho são presentes que devem ser celebrados. “Hoje nós lemos as cartinhas que o Lucas nos escreveu, rimos e choramos ao falar dele e somos muito gratos pelos momentos que vivemos juntos”.

A família

Atualmente, Simone tem 40 anos, é dona de uma loja de equipamentos de segurança na cidade de Garuva, está no último ano do curso de Pedagogia e se dedica à educação dos dois filhos: Heloisa, de 16 anos, e Alberto, de 10. Já Eroni, trabalha como técnico de segurança, e toda família é atuante na igreja católica do município.

O bebê Lucas truoxe muita alegria aos pais Simone e Eroni
O pequeno sempre foi muito "arteiro" e carinhoso
Lucas pedia para ganhar um irmãozinho
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Ele era muito cuidadoso com a pequena Heloísa
Os pais ainda guardam as cartinhas que o filho escreveu
Depois da morte de Lucas, Simone deu à luz ao pequeno Alberto
Hoje a família continua morando na cidade de Garuva, em Santa Catarina, é atuante na igreja e ajuda outros pais a superarem o luto