Com aulas no período noturno, dezenas de trabalhos solicitados pelos professores e a necessidade de usar o computador, familiares e amigos imaginavam que a idosa Maria Santos Rigo desistiria do curso de Letras já nos primeiros meses. “Até eu achava que não ia conseguir”, revela a moradora de Canoas, no Rio Grande do Sul. No entanto, ela foi uma das alunas mais dedicadas da turma, se destacou em diversas atividades e se formou, com honras, aos 83 anos. “Ver todos os meus colegas me aplaudirem em pé quando peguei o diploma foi maravilhoso e emocionante”.
Em entrevista ao Sempre Família, Maria conta que o sonho de ingressar na faculdade era antigo, mas as oportunidades, escassas. “Quando eu era criança, vivia na cidade de Triunfo, no interior gaúcho, e as escolas ficavam muito longe”, recorda. Mesmo assim, a garota se esforçava para estudar, demonstrava imensa paixão pelas disciplinas de literatura e língua portuguesa, e conseguiu terminar o Ensino Médio — privilégio de poucos em sua época. “Só que meu sonho de chegar à faculdade acabou não dando certo por condições financeiras”, lamenta.
Maria se casou aos 18 anos, teve dois filhos, e não conseguia valor suficiente para continuar os estudos e nem tempo para dedicar-se à escrita. Assim, só voltou a ter contato com poemas, contos e literatura brasileira depois que as crianças cresceram e seu esposo faleceu. “Fiquei viúva aos 49 anos e foi nesta fase que comecei a participar de eventos literários”, recorda a idosa, que venceu concursos de poesia, escreveu livros, fundou a Casa dos Poetas de Canoas e passou a frequentar, por anos, palestras a respeito do tema.
E foi em um desses eventos que a oportunidade de voltar à sala de aula surgiu: uma oficina de literatura para terceira idade promovida pela Universidade LaSalle. “Lá eles perceberam o quanto eu gostava de escrever, então a coordenadora do curso de Letras me incentivou a ingressar na faculdade”, conta dona Maria.
Com 77 anos na época do convite, ela ficou preocupada a respeito do que enfrentaria na faculdade e se conseguiria lidar com a diferença de idade em relação aos colegas. No entanto, aceitou o convite e, desde o primeiro dia na instituição, percebeu que havia feito a escolha certa. “Lembro que os professores pediam para nos apresentarmos e, assim que eu falava minha idade, todos ficavam surpresos”, recorda, ao garantir que fez inúmeras amizades e que, além de aprender bastante, aproveitou cada aula como terapia. “Até esquecia minha idade quando estava com meus colegas”.
“Até esquecia minha idade quando estava com meus colegas”
Sua motivação ainda inspirou professores como a pesquisadora Lúcia Regina da Rosa, que nunca havia lecionado para um estudante daquela idade e aprendeu muito com a experiência. “Sabedoria não tem diploma, e a Maria é muito sábia”, afirma, ao lembrar do exemplo que a octogenária deu aos colegas durante os seis anos em que frequentou o curso. “Ela sempre foi esforçada e queria apreender tudo”, disse. “Mas o que me marcou mesmo é que ela não faltava às aulas, mesmo sendo à noite, com chuva e frio”.
Além disso, Maria “driblou” as dificuldades com tecnologia ao entregar diversas atividades escritas à mão, imprimir materiais para leitura em vez de lê-los no celular e contar com a ajuda da filha para digitar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “Não foi fácil, mas valeu cada segundo”, garante a gaúcha, que hoje incentiva pessoas de todas as idades a estudar. Afinal, “sempre é tempo de aprender”.