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A habilidade de desempenhar várias tarefas simultaneamente tem sido tradicionalmente percebida como um domínio feminino. Uma mulher, em especial se tiver filhos, consegue ser multitarefa, ou seja, dar conta rotineiramente das exigências de um emprego e dos cuidados de casa – que em si é uma frenética mistura de lancheiras para as crianças, tarefas de limpeza e organização de compromissos e afazeres sociais.

Porém, um artigo publicado em agosto de 2019 na revista PLOS One mostra que as mulheres, na verdade, não são melhores do que os homens quando o assunto é ser multitarefa. O estudo testou se as mulheres são melhores em mudar rapidamente de tarefa e lidar com vários afazeres ao mesmo tempo. Os resultados mostraram que em nenhum desses dois pontos os cérebros das mulheres são mais eficientes que os dos homens.

Usar dados consistentes para desafiar mitos como esses é importante, especialmente se levarmos em conta que as mulheres continuam a ser bombardeadas com afazeres ligados ao trabalho, à família e ao lar.

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Ninguém é bom em ser multitarefa

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Ser multitarefa é ser capaz de realizar uma série de tarefas independentes dentro de um curto espaço de tempo. É uma habilidade que requer mudar o foco de atenção de maneira rápida e frequente entre uma tarefa e outra, o que aumenta a demanda cognitiva em comparação com a realização completa de diversas tarefas em sequência.

Esse estudo parte de um corpo de pesquisas anterior que mostra que o cérebro humano não é capaz de gerenciar várias atividades de uma só vez – ainda mais quando duas tarefas são similares: elas competem para usar a mesma área do cérebro, o que torna a execução simultânea de ambas muito difícil.

No entanto, o cérebro humano é bom em mudar entre diferentes atividades rapidamente, o que faz as pessoas se sentirem multitarefa. O cérebro, no entanto, trabalha em um projeto de cada vez.

Nesse novo estudo, pesquisadores alemães compararam as habilidades de 48 homens e 48 mulheres em identificar letras e números. Em alguns experimentos, os participantes deveriam prestar atenção em duas tarefas de uma vez – o que foi chamado de tarefas concorrentes. Em outros, eles precisavam mudar de foco entre as tarefas – o que foi chamado de tarefas sequenciadas.

Os pesquisadores mediram o tempo de reação e a precisão dos participantes, comparando-os com uma condição de controle – ou seja, em uma situação que exigia a realização de apenas uma tarefa. Eles descobriram que ter diversas tarefas para manejar afetou substancialmente a velocidade e a precisão em sua realização, tanto para os homens quanto para as mulheres. Não houve diferença entre os grupos.

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Tarefas domésticas

Meus colegas e eu recentemente refutamos outro mito conhecido – o de que as mulheres são melhores em identificar bagunça do que os homens. Descobrimos que homens e mulheres categorizam igualmente um espaço como bagunçado. A razão pela qual os homens fazem menos faxina do que as mulheres pode estar no fato de que as mulheres se atêm a padrões de limpeza mais exigentes do que os homens – e não por eles terem uma espécie de cegueira para a sujeira.

Dados recentes mostram que, na Austrália, os homens estão dedicando mais tempo às tarefas domésticas do que costumavam dedicar, mas as mulheres ainda realizam a grande maioria dos afazeres de casa.

Já as mulheres australianas que trabalham fora de casa têm visto o total de tempo que gastam com o trabalho e a família aumentar ao longo do tempo, com mulheres provedoras da casa gastando quatro horas a mais por semana em tarefas domésticas do que homens provedores. Isso significa que mães que trabalham fora estão dando conta de planejar as festas de aniversário, levar e buscar na creche e acompanhar as aulas de balé e, ao mesmo tempo, lidando com seus empregos, transferências e carreiras.

As consequências do mito

Se o cérebro das mulheres é tão eficaz em ser multitarefa quanto o dos homens, por que continuamos pedindo às mulheres que realizem todo esse trabalho? E, mais importante ainda, quais as consequências disso?

Nosso estudo mostra que as mães sofrem mais pressão e reportam mais problemas de saúde mental do que os pais. Constatamos que o nascimento de uma criança aumenta os relatos de pais e mães que se sentem pressionados pela correria, mas o efeito é duas vezes maior para as mulheres. Ter um segundo filho dobra a pressão do tempo para as mães e, como consequência, leva a uma deterioração da sua saúde mental.

Além disso, as mulheres são mais propensas a abandonar um emprego quando os filhos nascem ou a demanda familiar se intensifica. Elas sentem uma carga mental maior em relação à organização das necessidades da família – se há meias limpas para todos, se alguém precisa ser pego na escola, se há pão para o café da manhã. Todas essas tarefas se dão às custas do tempo de planejar o dia de trabalho de amanhã, o caminho para a próxima promoção e por aí vai.

As mulheres também são solicitadas a realizar demandas familiares multitarefa à noite. Os filhos são mais propensos a interromper o sono da mãe do que o do pai, como constatou um estudo.

Embora os papéis de gênero estejam mudando e os homens estejam assumindo uma parcela maior das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos do que no passado, as disparidades permanecem em muitos campos importantes da vida profissional e familiar. Isso inclui a disponibilidade das creches, a divisão dos afazeres domésticos, a diferença salarial e a concentração de mulheres em posições mais altas.

Portanto, o mito da mulher multitarefa implica que das mães se espera que “façam tudo”. Mas essa obrigação pode afetar a sua saúde mental, vem como a sua capacidade de se destacar no trabalho.

Desafiando estereótipos

A opinião pública continua achando que as mulheres têm uma vantagem biológica em ser multitarefa. Mas, como o nosso estudo mostra, as evidências não sustentam esse mito. Isso significa que o trabalho extra que as mulheres realizam é apenas isso – trabalho extra. E precisamos enxergá-lo dessa forma.

Dentro da família, as tarefas precisam ser identificadas, debatidas e então divididas por igual. Mais homens estão engajados com a igualdade de gênero, a divisão de tarefas e a coparentalidade do que nunca.

Assim como em casa, precisamos desmantelar esses mitos no ambiente de trabalho. Presumir que as mulheres sejam melhores em ser multitarefa pode influenciar a designação de tarefas administrativas auxiliaress. Tarefas como gerenciar o tempo e organizar reuniões não deveriam ser designadas com base no gênero.

Enfim, os governos precisam desfazer esses mitos nas políticas públicas. Ter um filho adiciona uma carga de trabalho difícil de ser administrada. As mulheres precisam de serviços de creche acessíveis, de qualidade e amplamente disponíveis. Já os homens precisam de flexibilidade no trabalho, licença-paternidade e acesso a creches para compartilhar essa demanda. Eles precisam de proteções que garantam que não serão penalizados por dedicar tempo a compartilhar o cuidado dos filhos.

Derrubar esses mitos que impõem sobre as mulheres a expectativa de serem super-heroínas é bom, mas precisamos ir além e criar um ambiente político em que a igualdade de gênero possa deslanchar.

*Professora de Sociologia na Universidade de Melbourne, na Austrália.

©2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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