Crianças de áreas mais desfavorecidas geralmente têm um desempenho pior na escola, o que pode ser causado por má nutrição, situações de estresse na família ou a falta de atenção que recebem de seus pais, entre outros fatores. Mas um número crescente de cientistas está sugerindo que há um outro motivo: o próprio desenvolvimento cerebral pode ser afetado pela pobreza.
Isso pode se dar de várias formas. Uma delas é a que sugere Eldar Shafir, professor de ciência do comportamento e políticas públicas da Universidade de Princeton, nos EUA. “Peça a um grupo de pessoas que memorize uma série de sete dígitos, como 7, 4, 2, 6, 2, 4, 9”, diz ele. “Enquanto você guarda esses números em sua memória de curto prazo, tentando não os esquecer, sua mente está completamente cheia. Você fica com menos espaço cognitivo para outras coisas”.
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Segundo Shafir, uma pessoa que vive em situação de pobreza, tendo que fazer malabarismos com o pouco que tem e se preocupando constantemente em saber como vai chegar ao fim do mês, está em um cenário semelhante a esse de ter sete dígitos na cabeça o tempo todo. “Isso faz com que outras coisas sejam esquecidas e a capacidade de atenção fique limitada”, explica ele.
Ele fez algumas experiências para tentar comprovar isso. Em uma delas, disse a pessoas de baixa e de alta renda que precisariam consertar seus carros. A algumas pessoas, independentemente de sua condição econômica disse que o conserto custaria 150 dólares, e a outras, 1.500 dólares. Em seguida, deu a todas uma série de testes cognitivos.
Analisando os resultados, Shafir observou que os ricos se desempenharam normalmente nos testes, independentemente do custo do conserto do carro. Já entre os mais desfavorecidos, o desempenho era melhor quando a conta era menor. A diferença chegava a 13 pontos de coeficiente intelectual. A conclusão do pesquisador é que a inteligência pode ser afetada a curto prazo por uma situação de pobreza.
Envelhecimento cognitivo
Já a pesquisa de Adina Zeki al Hazzuri, professora da Universidade de Miami, tentou medir a influência que ter baixa renda por períodos prolongados pode ter nas funções cerebrais. Ela acompanhou durante duas décadas 2,5 mil adultos que tinham entre 18 e 30 anos de idade em 1985, solicitando que eles a mantivessem informada sobre a sua renda.
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No fim desse período, ela aplicou aos participantes três provas capazes de detectar o envelhecimento cognitivo. “Constatamos que as pessoas que estiveram em situação de pobreza durante todos esses 20 anos tiveram resultados muito piores do que aqueles que nunca viveram essa experiência”, conta Al Hazzuri.
Para tirar a dúvida se era a pobreza que influenciava o desempenho cognitivo ou o contrário, aplicou-se um outro teste apenas aos que tinham um alto nível educativo e estavam saudáveis ao iniciar o estudo. A associação entre pobreza e função cerebral se manteve.
Causa e efeito?
Katie McLaughlin, por sua vez, desenvolveu sua pesquisa em crianças em seus primeiros anos de vida de orfanatos da Romênia. A professora de psicologia da Universidade de Washington constatou que o cérebro de crianças em piores situações econômicas se debilita, sobretudo nas áreas que processam a linguagem complexa.
“Os circuitos e conexões projetados para processar essa informação desaparecem se não forem utilizados”, explica ela. “Se isso acontecer de forma contínua e em grande escala, contribui para o estreitamento do córtex”. Segundo ela, o cérebro das crianças pesquisadas foi danificado porque não recebeu estímulos suficientes do seu entorno, ou seja, porque não conversaram ou brincaram com elas o suficiente.
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McLaughlin não ousa assegurar com 100% de certeza que haja uma relação de causa e efeito entre a pobreza e o mau desenvolvimento cerebral. “Cada vez há mais provas para estabelecer essa relação, mas se trata de um campo de estudo relativamente recente”, diz o professor de pediatria e neurociência da Universidade de Harvard, Charles Nelson.
“O simples fato de não ganhar certo montante de dinheiro não causa nada”, explica ele. “O que parece causar esses resultados é o que está relacionado com o fato de não ter certa quantidade de dinheiro, como a escassez de alimentos, a falta de acesso a atenção médica ou a carência de cuidados causado pelo alto nível de estresse na família”.
Para Nelson, pesquisas como essas podem ajudar a aumentar a sensibilização para o problema da pobreza. “Isso faz com que as pessoas vejam que se paga um preço biológico por crescer em meio à pobreza”, afirma ele.
Com informações de BBC.
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