Pela primeira vez em 60 anos, os dois maiores partidos da França estão fora do segundo turno das eleições para a presidência da República. Em seu lugar, disputarão o comando da nação no dia 7 de maio o novato Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia, que em 2016 fundou o partido En Marche!, e Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, um partido tradicionalmente identificado com a direita.
Se eleito, Macron, que tem 39 anos e nunca concorreu a um cargo eletivo, será o presidente mais novo da história da França. Ele foi membro do Partido Socialista entre 2006 e 2009, mas com o tempo se afastou cada vez mais da esquerda, defendendo a flexibilização de leis trabalhistas e posicionando-se como centrista.
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Enquanto isso, Le Pen, de 48 anos, é vista como “extrema-direita”, mas defende um Estado forte e propostas típicas da social-democracia: barrar o aumento da jornada de trabalho, criar um imposto de renda progressivo que taxe mais grandes riquezas, ampliar o programa de subsídios para construção de casas populares, reduzir a idade de aposentadoria para 60 anos, entre outras.
O site liberal francês GenerationLibre estimou quem seria o candidato mais liberal nas eleições deste ano, com base em suas propostas. Macron está à frente de todos, junto com François Fillon, dos Republicanos, com uma “taxa de liberalismo” de 60%. Já Le Pen teve uma das piores pontuações, com 19%.
As propostas relativas à economia, portanto, parecem ser a grande diferença entre os dois candidatos, bem como a postura diante da União Europeia e da onda de refugiados. Macron defende a permanência no bloco e o “dever” de acolher refugiados, enquanto Le Pen é considerada uma eurocética e almeja reduzir a entrada de imigrantes no país. Já no que diz respeito a temas morais e religiosos, os dois têm poucas divergências.
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Aborto
Na França, o aborto é permitido até as doze semanas, se por razões sociais ou econômicas a mulher julgar não ter condições de ser mãe, e permitido após esse período em caso de risco de má formação do feto ou de saúde para a mulher. Le Pen deixou claro que não pretende mexer na legislação sobre o aborto. Já Macron, no último dia 8 de março, disse através do Twitter: “Jamais deixarei de defender o direito à interrupção voluntária da gravidez”.
Casamento gay
Macron declarou que a comunidade homossexual sempre encontrará nele “um defensor”, embora tenha sido recriminado largamente por entidades LGBT ao criticar a hostilidade do movimento contra a organização La Manif pour tous, que defende o casamento exclusivo entre homem e mulher, “Eu sou a favor do casamento para todos, mas quero dialogar com as pessoas que não partilham meu ponto de vista”, tuitou Macron.
Declarando-se ofendidos pela declaração do candidato – que deixou claro que se deve defender o diálogo e não promover a humilhação de qualquer grupo –, muitas pessoas ligadas às causas LGBT protestaram contra Macron, apontando que são as pessoas homossexuais as realmente humilhadas e usando a hashtag #TeamHumiliés.
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Ainda assim, o programa apresentado por Macron deixa claro que não reconhece um “modelo único” de família, mas que as diversas configurações familiares constituem “um enriquecimento do que é a família na França”. Já Le Pen se declara a favor da união civil entre homossexuais, mas contra o seu casamento, defendendo que a filiação permaneça restrita “a um pai e uma mãe”. Ela quer reverter a lei que legalizou o casamento homossexual em 2013.
Ainda nesse campo, Le Pen é a favor de que técnicas de reprodução assistida sejam permitidas apenas como resposta a problemas de esterilidade em casais heterossexuais, enquanto Macron deseja que casais homossexuais e mulheres solteiras também tenham acesso a esses serviços, bem como à adoção.
Religião
Ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno se declaram católicos, embora não tenham uma prática religiosa efetiva. Macron, de família bastante secular, foi batizado por desejo próprio aos 12 anos. “Hoje mantenho uma reflexão permanente sobre a natureza da minha própria fé. Minha relação com a espiritualidade continua a nutrir meu pensamento, mas não faço disso um elemento de reivindicação”, disse ao periódico La Vie.
Durante a campanha, ele disse ter uma concepção mais “generosa” de catolicismo do que a do conservador Fillon, candidato dos Republicanos. “Ser católico é defender os direitos dos mais pobres, e não lutar pela retirada de direitos de homens e mulheres”, disse Macron, segundo o jornal L’Express. Ainda assim, Fillon declarou apoio a ele no segundo turno.
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Já Le Pen vai à igreja apenas nas grandes festas, foi casada duas vezes e atualmente é amasiada com Louis Aliot, um dos líderes do seu partido. Encarando a empreitada de arrancar da Frente Nacional o estigma de “extremista” – ela chegou a expulsar da sigla o próprio pai e fundador, Jean-Marie Le Pen, por suas posições controversas –, a candidata afastou o partido cada vez mais de opiniões identificadas com o conservadorismo católico, como a crítica ao aborto e ao casamento homossexual.
Laicidade
Quanto à relação entre o Estado e as religiões, tanto Le Pen quanto Macron defendem veementemente a laicidade. O candidato do En Marche! assume termos mais conciliadores diante do crescimento do islamismo no país, mas se opõe, como Le Pen, à ingerência de valores religiosos no ordenamento do Estado.
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Macron se diz contrário à proibição do uso do véu islâmico, por exemplo, enquanto Le Pen não só a defende como elogiou a Suíça quando quase todos os cantões do país aprovaram, em 2009, uma lei proibindo a construção de novos minaretes – as torres que adornam as mesquitas.
Ambos enfatizam a questão nos valores republicanos franceses. “Cada indivíduo é livre para crer de maneira mais intensa. Não peço a ninguém que seja mais discreto com a sua prática religiosa ou que modere suas convicções íntimas. Mas, enquanto cidadãos, a adesão às regras republicana é um requisito. É a nossa base comum”, disse Macron à La Vie.
Le Pen diz que não está lutando contra o Islã, mas “contra a islamização da sociedade francesa”. Procurando se distanciar de figuras públicas que declaram oposição à religião muçulmana em si, ela afirmou que se opõe apenas ao fundamentalismo. “Não se pode interpretar o Alcorão – e nem a Bíblia – literalmente”, disse ela à rádio holandesa RNW. “A Sharia não é compatível com nossos princípios, nossos valores e a democracia”.
Macron acredita que “no domínio público, as leis da República devem prevalecer sobre a lei religiosa”. Por isso, critica “escolas confessionais que ensinam o ódio contra a República, tendo por língua principal das aulas o árabe ou ensinando mais a Torá do que os conteúdos básicos”, segundo disse à revista Marianne.
Ele especifica, porém, que a laicidade não almeja alçar-se a si mesmo a religião, mas sim que “a República é esse lugar mágico e único que permite às pessoas que vivam com intensidade a sua religião”, já que pretende a formação de “indivíduos autônomos livres”.
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