As vísceras e miúdos de animais estão perdendo seus já pequenos espaços na mesa do brasileiro para carnes mais ‘limpas’ e apresentáveis, como peito de frango e bifes que, muitas vezes, têm valor nutritivo bem abaixo das carnes consideradas mais ‘feias’.
Fígado, coração, rim, bucho e tripas (dobradinha), moela e língua são mais triviais, mas ainda podem ser encontrados em açougues o cérebro, os pulmões, o rabo e os testículos. “Geralmente vísceras se referem a boi, vitela e porco e, miúdos, a aves”, diz a nutricionista Letícia Mazepa, docente de graduação e pós-graduação em nutrição e com atuação em nutrição clínica.
Diferença nutricional
Se em termos proteicos, vísceras e cortes mais populares são bastante semelhantes (sendo menor no bucho e na língua), do ponto de vista nutricional, de vitaminas e minerais, há uma grande diferença, como explica a nutricionista Lili Purim Niehues. “As vísceras são extremamente ricas em Vitamina B2 (a riboflavina), com de cinco a dez vezes mais que carne magra. O fígado tem muito mais niacina, B12, folacina, Vitamina A e C do que a magra”, diz.
A força está nos micronutrientes (especialmente vitaminas do complexo B) e sua disponibilidade, dizem as especialistas. Para Lili Purim, mesmo um pequeno consumo de miúdos e vísceras atinge e até supera recomendações internacionais relativas a alguns nutrientes. “Consumi-las periodicamente é uma atitude realmente inteligente, até porque a variedade alimentar é o que nos protege, efetivamente, de fatores antinutriconais”, diz ela.
Aliás, a monotonia alimentar é apontada pelas especialistas como algo que merece atenção e deve ser combatida, pois uma alimentação baseada em baixa variedade oferece menor diversidade de nutrientes e compostos bioativos ao organismo. “Hoje a gente vê essa monotonia na escolha das frutas, hortaliças e legumes, apesar de vivermos em um país de grande biodiversidade. Há quem restrinja a sua salada a um prato de alface e tomate, bem como consuma apenas frutas como banana, laranja e maçã, deixando de beneficiar-se de inúmeros compostos presentes em outros alimentos”, diz a nutricionista Letícia Mazepa.
Campeã em nutrientes
Entre as vísceras, o fígado bovino se destaca pelo alto teor de vitamina A e por ser fonte de vitaminas do complexo B (B1, B2, B3, B5, B6 e B12), diz Letícia. O fígado bovino tem maior digestibilidade, enquanto o de frango e porco se destaca pela facilidade de preparo e por serem mais toleráveis e agradáveis quando bem preparados. “Entre os fígados, o de frango tem mais ferro, e ambos têm, pelo menos, duas vezes mais ferro que a carne branca”, diz Lili Purim.
Sem excesso
O fígado de gado, assim como outros miúdos e vísceras, também apresenta maior teor de gorduras totais e colesterol. “Comer sempre pode levar à ingestão excessiva de Vitamina A e de colesterol, o que pode causar efeitos indesejáveis à saúde”, diz Letícia Mazepa.
Restrição à vista
Há quem tenha restrição ao consumo de vísceras, como quem tem ácido úrico (gota). Isso acontece, segundo Letícia Mazepa, por esses alimentos serem ricos em purinas, compostos que dão origem à hiperuricemia. Para Lili Purim, esse cuidado surge pois as vísceras, especialmente fígado e rim, são órgãos de metabolização importantes e, por este motivo, contém ainda metabólitos, como ureia, acido úrico e o próprio nitrogênio. “Quem tem funções renais comprometidas deve ficar atento, mas apenas eles”, diz a nutricionista.
Mais sujas ou nocivas?
Muitas vezes, segundo Lili, se associam essas carnes a pesticidas, resíduos de drogas, metais pesados, o que não acontece caso a procedência seja boa do alimento, com inspeção higiênico-sanitária atestada pelo selo obrigatório.
Porém, o consumidor também deve ter cautela no preparo. “Não consuma esses alimentos crus ou mal passados, reduzindo o risco de toxinfecção alimentar pela presença de microrganismos capazes de causar doenças”, diz Letícia. A nutricionista diz que o fígado, por exemplo, está susceptível a diversos tipos de lesões e, como é um órgão que desempenha diversas funções importantes nos animais, como a metabolização de nutrientes, medicamentos e toxinas, está sujeito, sim, à entrada de bactérias por diversas vias de acesso.
Bucho exige cuidados
O bucho e o miolo, por exemplo, normalmente são lavados abundantemente com água, deixados de molho no vinagre e posteriormente aferventados. “Alguns produtos também podem ser deixados de molho no leite, nesse caso não há relação com a higienização, mas sim com a atenuação de odor e sabor fortes, característicos das peças”, diz a nutricionista Letícia Mazepa.
Aversão
Além da aversão a miúdos e vísceras, especialistas veem na clínica que adultos também costumam ter certa resistência a nabo, rabanete e folhas verdes escuras, todos eles fontes de glicosinolatos, composto associado à redução de risco de desenvolvimento de doenças, como o câncer.
“As folhas verdes escuras também são ótimas fontes de compostos antioxidantes, folato e carotenoides (que darão origem à Vitamina A) e todos eles contribuem no fornecimento de diferentes nutrientes e compostos bioativos”, diz a nutricionista Letícia Mazepa. “Se você não gosta de um determinado alimento procure prová-lo de diferentes formas de preparo, pois muita aversão surge de uma primeira apresentação pouco saborosa e atrativa”, finaliza.