Medida foi adotada no Reino Unido e vem sendo discutida pelo governo de São Paulo e pelo Ministério da Saúde
Medida foi adotada no Reino Unido e vem sendo discutida pelo governo de São Paulo e pelo Ministério da Saúde.| Foto: Bigstock

Diante de um número limitado de doses das vacinas contra a Covid-19, uma medida que vem sendo adotada no Reino Unido e discutida no Brasil é aumentar o tempo entre as aplicações.

Assim, ao invés de uma pessoa receber as duas doses no prazo previsto (seja de 14 dias ou mais, variando de acordo com a vacina), mais pessoas tomariam a primeira dose. A mudança também favoreceria os desenvolvedores, que teriam mais tempo para a produção das vacinas.

No Reino Unido, a abordagem foi divulgada no dia 31 de dezembro de 2020, diante de um crescimento no número de casos da doença. De 21 dias do intervalo estudado nos testes clínicos da vacina da Pfizer/BioNTech e dos 28 dias da vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca, o Comitê de Vacinação e Imunização do país autorizou um intervalo máximo de 12 semanas.

"O Comitê recomenda a priorização inicial da entrega da primeira dose da vacina, visto que é bem provável que tenha um grande impacto na saúde pública a curto prazo e reduza o número de mortes pela Covid-19 que poderiam ser prevenidas", destaca a equipe no documento da entidade.

No Brasil, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse que o governo quer priorizar a primeira dose, visando uma imunização em massa da população e a contenção da pandemia. O governo de São Paulo também cogitou a mesma medida com a vacina em desenvolvimento pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica Sinovac.

Benefícios

Não se trata de uma mudança completa no esquema de vacinação, de acordo com as especialistas ouvidas pelo Sempre Família, mas de uma adaptação que pode ser benéfica. Desde que a aplicação da segunda dose não seja adiada para muito tempo depois da primeira.

"De forma geral, você até pode espaçar a segunda dose e isso não compromete muito a eficácia da vacina na produção de anticorpos. Mas é preciso que tenha a segunda dose. Não pode ser algo a perder de vista. Não é um reforço que será dado daqui um ano", explica Raquel Stucchi, médica infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

O risco em um espaçamento muito longo é que haja uma redução significativa dos anticorpos "acionados" na primeira dose. "Se zerar tudo, é como se tivesse realmente perdido a primeira dose, mas nesse momento esse risco não teríamos", explica a especialista, que reforça a importância em respeitar as orientações dos desenvolvedores com relação ao período máximo permitido entre as doses.

Para Heloisa Ihle Garcia Giamberardino, coordenadora do Serviço de Epidemiologia e Imunizações do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, e presidente da Regional Paraná da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o espaçamento das doses pode ser adotado, desde que não comprometa a imunização dos profissionais que estão na linha de frente do combate à Covid-19 — e que, portanto, precisam de uma proteção maior.

"Essas pessoas [profissionais da saúde] estão se expondo mais e precisam estar com a proteção bem ativa. As pessoas que vão receber a vacina que não estão na linha de frente e podem manter os cuidados de isolamento social, elas poderiam receber com intervalo maior, para que haja tempo de produção. É tudo uma questão de contingência, e não de uma definição aleatória", reforça.

Resistência do vírus?

Respeitando o período máximo indicado por cada desenvolvedora, não haveria motivo para um risco de o Sars-CoV-2 desenvolver uma resistência à vacina, mesmo que as pessoas estejam, por um tempo maior que o previsto, protegidas pela "metade".

"Criar uma resistência? Não. O que você vai ter é uma vacina que pode não atingir a eficácia que se propôs inicialmente [com apenas uma dose]. Mas, no mundo real, esse tipo de situação já acontece. A pessoa se esquece de tomar a segunda dose de uma vacina ou viaja, tem algum imprevisto. Por isso que toda a estratégia vacinal precisa ser muito bem pensada", destaca Heloisa Giamberardino, que também é professora do curso de Medicina das Faculdades Pequeno Príncipe, em Curitiba.

Liberação da Anvisa

Uma das questões com relação a essa mudança no regime das doses é com relação à liberação pela agência regulatória.

Até o momento, os dados de duas vacinas (Coronavac, do Instituto Butantan/Sinovac e o imunizante da Universidade de Oxford/AstraZeneca) estão sendo analisados pela Anvisa para terem o uso emergencial liberado no país. Nos dois casos, os testes incluem a aplicação em duas doses, de 14 dias e 28 dias, respectivamente.

Uma mudança no intervalo da vacina exigiria uma nova liberação da Anvisa? De acordo com a especialista Raquel Stucchi, por meio do Plano Nacional de Imunização, poderia haver essa mudança. "O ideal seria que a Anvisa já desse essa abertura, mas como a agência trabalha sob demanda, ela vai avaliar aquilo que foi entregue a ela, e não legislar à parte", explica.

Questionada, a Anvisa respondeu que dados adicionais sobre o processo não seriam fornecidos até a conclusão do trabalho técnico. Nesta terça-feira (12), a agência divulgou ainda que a reunião da Diretoria Colegiada que decidirá sobre pedidos de autorização para uso emergencial, temporário e experimental das vacinas do Instituto Butantan e da Fiocruz será feita no próximo domingo (17).

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