O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou nesta terça-feira (11) que o seu país registrou uma vacina contra a Covid-19, após menos de dois meses de testes em humanos. Com a decisão, a Rússia se torna o primeiro país a aprovar uma vacina contra o novo coronavírus.
O anúncio foi visto com desconfiança e preocupação por especialistas e autoridades mundiais de saúde, que dizem que a potencial vacina russa ainda não concluiu testes clínicos em larga escala para determinar a sua segurança e eficácia. Os testes da chamada "fase 3", que normalmente envolvem milhares de participantes, são considerados essenciais para que a segurança de uma vacina seja comprovada e para que o produto possa então ser regulamentado.
Para Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a notícia sobre o registro da vacina russa pegou a todos de surpresa. "O que preocupa é que não há nenhuma publicação de resultados de fase 3, pelo menos nós não tivemos acesso. É inesperado que isso seja feito em um período tão curto", diz.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu a notícia russa com cautela. "Estamos em contato próximo com autoridades de saúde da Rússia e as discussões são contínuas a respeito da possível pré-qualificação da vacina pela OMS. Mas, reitero, a pré-qualificação de qualquer vacina envolve revisão e avaliação rigorosas de todos os dados requeridos de segurança e eficácia", disse Tarik Jasarevic, porta-voz da OMS, em entrevista coletiva em Genebra nesta terça-feira, referindo-se aos ensaios clínicos.
Na semana passada, a OMS alertou as autoridades russas a não se desviarem dos testes usuais de segurança e eficácia de vacinas.
O que diz o governo da Rússia
Putin afirmou que a vacina produzida pelo Instituto Gamaleya, do ministério da Saúde russo, é segura e induz "forte imunidade". Em pronunciamento na televisão estatal, o presidente disse que o imunizante, batizado de Sputnik V em homenagem ao primeiro satélite colocado em órbita por humanos, lançado pela União Soviética em 1957, "passou por todos os testes necessários". Putin disse ainda que a vacina foi aplicada em uma de suas filhas.
O ministério da Saúde da Rússia já havia anunciado no começo de agosto que prepara uma campanha de vacinação em massa para outubro, segundo informaram agências de notícias locais.
Nesta terça-feira, o ministro da Saúde da Rússia, Mikhail Murashko, disse que a vacina começará a ser aplicada em profissionais da saúde e da educação neste mês.
Em um site sobre a vacina russa divulgado em vários idiomas, os desenvolvedores do produto afirmam que as fases 1 e 2 de ensaios clínicos terminaram em 1º de agosto. "Todos os voluntários passam bem, não foram observados efeitos colaterais não esperados. A vacina induziu uma forte resposta imune de anticorpos e celular", afirma o site. No entanto, os resultados desses estudos não foram submetidos a publicações científicas.
De acordo com relatos na imprensa, a vacina russa passou por testes em um total de 38 pessoas.
Ainda segundo o site oficial da vacina russa, a fase 3 dos testes clínicos deve começar na quarta-feira (12) em "países do Oriente Médio (Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita) e da América Latina (Brasil e México)".
O governo do Paraná deve assinar na quarta-feira um convênio de cooperação técnica com o governo russo para a realização de testes e a transferência de tecnologia da vacina Sputnik V.
Como funciona
A vacina produzida pelo Instituto Gamaleya é baseada em dois tipos de adenovírus que causam resfriados comuns em seres humanos. Os cientistas usam um "vetor viral", um vírus com seus genes modificados, que faz com que as células humanas infectadas produzam proteínas do novo coronavírus. Assim, o corpo humano gera uma resposta imunológica contra essas proteínas e pode combater uma possível infecção do vírus real.
O princípio é similar ao usado na vacina que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford e a AstraZeneca, que atualmente está na fase 3 de testes no Brasil e em outros países.
"O uso de adenovírus humanos como vetores é seguro porque esses vírus, que causam resfriado comum, não são novos e circulam por milhares de anos", afirmam os desenvolvedores da vacina.
Quais são os riscos
Especialistas defendem que uma campanha de vacinação na população em geral só deve ser lançada após a comprovação de que o agente imunizante não causa efeitos colaterais sérios e funciona para combater o vírus, para evitar o agravamento da pandemia.
"Acho que há dados gerais suficientes sobre vacinas recombinantes baseadas em adenovírus para pensarmos que essa vacina [russa] será segura nas doses usuais", afirmou o virologista Ian Jones, da Universidade de Reading (Reino Unido), à imprensa. "O grande risco, no entanto, é se a imunidade gerada não for suficiente para oferecer proteção, levando a uma continuada propagação do vírus mesmo entre indivíduos imunizados", alerta o especialista, ressaltando que "uma vacina ruim é pior do que nenhuma vacina".
Eventuais problemas causados por uma vacina que é distribuída à população sem cumprir todas as etapas de testes podem acabar afastando as pessoas de agentes que venham a ser comprovadamente seguros. "Uma situação negativa pode gerar na população medo dessa e de todas as outras vacinas", diz Isabella Ballalai.