No início de dezembro de 2020, o mundo se encheu de esperança pelo fim da pandemia quando o Reino Unido aprovou o uso da primeira vacina contra a Covid-19. Até o fim daquele mês, porém, uma variante do Sars-CoV-2, a B.1.1.7, foi identificada no mesmo país. Com ela, surgiram as dúvidas:
- Seria mais transmissível?
- Causaria uma doença mais grave?
- As vacinas desenvolvidas até então poderiam também proteger contra as variantes?
Para as duas primeiras dúvidas, embora não haja certezas, os especialistas sugerem algumas respostas. Para a terceira, será necessário mais tempo antes de chegar a conclusões.
Até porque, desde o anúncio da primeira variante, outras cepas preocupantes foram registradas em diferentes regiões. Como, por exemplo, a B.1.351, encontrada na África do Sul, a P.1 e a P.2, no Brasil e, nos Estados Unidos, a CAL.20C e a B.1.526.
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Maior transmissibilidade
Cada vez que o vírus entra em uma célula humana para se replicar, ele pode gerar algumas modificações na sua estrutura que são chamadas de mutações. Algumas mutações não geram tanta diferença, mas outras podem favorecer a entrada do vírus nas células ou até mesmo impedir a ação dos anticorpos. Foi o que aconteceu com o coronavírus.
Em uma das mutações, o causador da Covid-19 modificou a proteína S – de Spike ou espícula – que é usada para se "encaixar" às enzimas conversoras de angiotensina (ECA2) das células humanas, e infectá-las. Essas mesmas proteínas são usadas pelos anticorpos para "segurar" o vírus. Com a mudança, o coronavírus passou a entrar com mais facilidade nas células.
Isso explicaria uma maior transmissibilidade da doença, com o aumento no número de casos visto atualmente ao redor do mundo. Mas ainda não é possível afirmar com certeza que as variantes sejam as únicas responsáveis por este quadro. Outros fatores podem influenciar, como a maior flexibilização do distanciamento físico.
Covid-19 mais grave?
Da mesma forma, não há informações suficientes até este momento que permitam dizer que as variantes causem uma doença mais grave, segundo explica Alessandro Farias, professor de Imunologia do Instituto de Biologia e coordenador de Diagnóstico da Força Tarefa contra a Covid-19 da Unicamp.
"O que vai selecionar a variante é uma mudança que seja vantajosa para o vírus. Em teoria pode acontecer [maior gravidade da doença a partir das variantes], mas é difícil. É mais 'vantajoso' para o vírus que ele seja mais transmissível, ou que tenha maior carga viral em pessoas mais jovens. Não é 'vantajoso' que seja mais grave", destaca o pesquisador.
Uma doença mais grave poderia levar o paciente à morte mais rápido, e isso não é benéfico para o coronavírus, que precisa que o "hospedeiro" esteja caminhando pela cidade e espalhando as réplicas para outras pessoas.
E, ainda que as variantes gerem uma maior carga viral no organismo humano, de acordo com Farias, não se pode pensar nessa característica como sinônimo de maior gravidade. "Essa maior gravidade está mais relacionada ou à comorbidade do paciente, ou de como atua o sistema imune, do que com a carga viral em si."
Ação das vacinas
Para antecipar a reação das vacinas contra as variantes, as desenvolvedoras começaram a testá-las. Os estudos mais rápidos são os feitos em laboratório com as amostras de sangue das pessoas vacinadas.
"[O pesquisador] pega a variante, coloca em contato com o sangue do paciente vacinado com qualquer uma das vacinas. Coloca o vírus em contato com a célula que seja suscetível e verifica se o anticorpo produzido pela pessoa foi capaz de neutralizar o vírus. É o chamado teste de neutralização", explica Sérgio Surugi de Siqueira, farmacêutico, professor de Imunologia da PUCPR e doutor em Fisiologia pela PUC-Chile.
Apesar de esses estudos serem mais rápidos e fornecerem um direcionamento do risco das variantes em "escaparem" dos anticorpos produzidos pelas vacinas, eles ainda não são conclusivos.
Um deles avaliou a ação da vacina da Pfizer/BioNTech, e os resultados foram publicados na Nature no início de fevereiro. A Novavax, ao divulgar a eficácia da própria vacina, também destacou a ação do imunizante contra a variante identificada primeiramente no Reino Unido, que estava em maior circulação durante os estudos clínicos. A vacina da AstraZeneca/Oxford também foi testada para a variante identificada na África do Sul.
"Não são testes tão bons quanto seriam os de farmacovigilância, quando se observa se a população vacinada está se contaminando com a nova cepa. Esses testes observam a vida real, que é diferente do que acontece em um tubo de ensaio, mas são mais demorados e exigem um sistema de vigilância e notificação muito bem organizado, que não se vê aqui", destaca Siqueira.
Assim como os testes clínicos das vacinas, que identificam a segurança e eficácia do imunizante, os testes na etapa de farmacovigilância precisam de tempo até que um número pré-determinado de casos da Covid-19 seja atingido. "Isso demora a acontecer, principalmente em países que já estão com queda nos casos. Sem falar que é preciso fazer a análise molecular do vírus que infectou as pessoas, e as respostas desses estudos são mais demoradas", completa o professor.
Imunidade não depende só de anticorpos
Ainda que os estudos preliminares indiquem que os anticorpos, aparentemente, não deram conta de controlar as mutações do coronavírus, o sistema imunológico não depende apenas deles para nos proteger. Uma defesa duradoura está relacionada à proteção de outras células, como os linfócitos T, como detalha Alessandro Farias, pesquisador de Imunologia da Unicamp.
"Se a capacidade neutralizante dos anticorpos produzidos por quem se vacinou ou por quem se infectou não se mostrar boa para essas variantes, isso não quer dizer que as pessoas são suscetíveis a elas", explica o especialista, que exemplifica:
"Antes, quando tínhamos apenas uma variante, vimos que somente 40% da população tinha anticorpos neutralizantes, e eles tendiam a sumir em cerca de quatro meses. Mesmo assim, não vimos muitas reinfecções. Isso dá um indício muito bom que temos muito mais que a proteção dos anticorpos porque, do contrário, veríamos uma taxa de 40% de reinfecções, e não foi o caso."
Na linha de defesa do organismo humano, os anticorpos têm a função de eliminar os agentes infecciosos que circulam por fora das células. Quando o coronavírus consegue entrar, quem é responsável por eliminar a célula infectada são os linfócitos T.
Como essas células também conseguem reconhecer características estruturais do vírus, elas geram uma memória. Em uma segunda infecção, a resposta do sistema de defesa estará mais bem preparada.