| Foto: Andrew Le/Unsplash
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Ame-os ou odeie-os, os smartphones tornaram-se onipresentes no dia a dia. E, embora tenham muitos usos positivos, as pessoas continuam preocupadas com os possíveis danos advindos do seu uso excessivo – especialmente em crianças e adolescentes. Em 2018, 95% dos jovens britânicos entre 16 e 24 anos possuíam um smartphone, contra apenas 29% em 2008. No entanto, enquanto o uso de smartphones cresceu, estudos também mostraram que a saúde mental diminuiu nessa faixa etária.

Realizamos a primeira revisão sistemática que investigou o que chamamos de "uso problemático de smartphones" em crianças e jovens. Definimos o uso problemático de smartphones como comportamentos que se assemelham a traços de dependência, como sentir-se em pânico quando o telefone não está disponível ou gastar muito tempo o utilizando. Com base em nossas descobertas, estimamos que um quarto das crianças e jovens mostra sinais de uso problemático de smartphones.

Embora inúmeros estudos em larga escala tenham constatado que não existe relação entre a quantidade de uso de smartphone e o prejuízo à saúde mental, a percepção popular de que os smartphones são viciantes ainda persiste. Estudos anteriores, que investigaram seus danos, frequentemente tiveram conclusões contraditórias.

Isso acontece, em parte, porque muitos estudos agruparam tudo o que se refere ao uso da tecnologia sob o termo geral "tempo de tela". Isso ignora o fato de que o dano geralmente vem da maneira como interagimos com a tecnologia, e não das próprias telas. Por exemplo, assistir à televisão é muito diferente de sofrer cyberbullying no Facebook. Outros estudos geralmente medem apenas o tempo total gasto em frente a uma tela, em vez de talvez observar o efeito que o envolvimento com determinados aplicativos ou sites teve nas pessoas.

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Traços de dependência

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Para o nosso estudo, optamos por usar uma abordagem diferente. Decidimos analisar outros estudos que investigaram o uso de smartphones em crianças e jovens, procurando descobertas que relatassem casos de dependência comportamental de smartphones – e registrassem quão comum isso era em crianças e jovens.

Analisamos 41 estudos diferentes publicados na Ásia, na Europa e na América do Norte desde 2011. No total, tínhamos diante de nós 41.871 crianças e jovens entre 11 e 24 anos de idade – embora a maioria dos estudos tenha analisado jovens de 20 e poucos anos.

No entanto, como cada um dos estudos analisou diferentes traços individuais de um vício comportamental, decidimos usar o termo genérico "uso problemático de smartphone" para descrever todos os casos em que esses traços apareceram.

A maioria dos questionários estava de acordo em relação ao fato de que as características centrais de uma dependência comportamental incluem:

  • ter um desejo intenso de usar o celular;
  • gastar mais tempo com isso do que o planejado;
  • sentir pânico ao ficar sem bateria;
  • negligenciar outras coisas mais importantes para ficar no celular;
  • ouvir outras pessoas reclamando sobre o uso excessivo do celular;
  • continuar a usá-lo, apesar de saber o quanto isso afetou outras áreas da sua vida, incluindo o sono ou a vida acadêmica.
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Para que um jovem seja definido como alguém que manifesta um uso problemático do smartphone, ele teve que revelar pelo menos dois dos traços acima.

Depois de analisar todos os estudos, descobrimos que entre 10% e 30% das crianças e jovens manifestavam problemas no uso de smartphones. Embora os estudos usassem diferentes tipos de questionário, a maioria definia a dependência não pelo período de tempo gasto no smartphone, mas por padrões como sentir sintomas de abstinência quando o celular não está por perto.

Estudos que analisaram o efeito que o uso de smartphones exerceu sobre a saúde mental mostraram que os participantes categorizados como "dependentes" tinham maior probabilidade de relatar sintomas de depressão, ansiedade e problemas com o sono. No entanto, na maioria dos estudos que analisamos mensuraram a dependência e a saúde mental ao mesmo tempo – deixando incerto se o vício em smartphones causa problemas de saúde mental ou vice-versa.

A maioria dos estudos mostrou uma ligação consistente entre o vício em smartphones e a saúde mental. Por exemplo, seis dos sete estudos sobre o sono descobriram que crianças e jovens que manifestavam problemas no uso de smartphones dormiam pior. Esse também foi o caso quando o tema era a ligação entre o uso problemático de smartphones e níveis mais altos de ansiedade, estresse e sintomas depressivos. No entanto, as evidências desses estudos sobre saúde mental tiveram graus variados de confiabilidade, porque as respostas vieram de questionários preenchidos pelos participantes e não de diagnósticos clínicos formais. Isso significa que havia a possibilidade de os participantes exagerarem ou subestimarem suas experiências.

Antes de podermos dizer se o uso problemático de smartphones é realmente uma dependência, precisaríamos mostrar que o padrão de uso de uma pessoa é consistentemente disfuncional – e que os danos à saúde são significativamente piores quando comparados ao uso regular de smartphones.

Mas até que haja mais pesquisas, não podemos dizer que o vício em smartphones é uma condição – e é prematuro pedir a abertura de clínicas para tratar pacientes. Embora pesquisas futuras sejam necessárias, as descobertas atuais mostram que o uso problemático de smartphones é comum e provavelmente está vinculado a uma saúde mental pior entre crianças e jovens.

*Professores de Psiquiatria no King's College de Londres.

©2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.