Pouco movimento, acúmulo de peso e falta de hidratação adequada podem colocar a saúde em risco durante o home office| Foto: Bigstock
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Na primeira vez que sentiu falta de ar, a professora Nilce Nazareno da Fonte, de 56 anos, nem pensou que poderia ser um sintoma de tromboembolia. Asmática, a doença crônica foi a primeira resposta que encontrou, apesar de a Covid-19 também a preocupar.

Mas bastava que Nilce olhasse com mais atenção para a mudança repentina na rotina de trabalho para suspeitar do que estava acontecendo. O acúmulo de reuniões e processos, que exigiam um trabalho constante no computador, obrigavam a professora a passar boa parte do tempo sentada. Certa vez, ela calcula ter ficado 15 horas na mesma posição.

Manter as pernas assim prejudica a circulação do sangue nos membros inferiores, porque exige-se do corpo que vá contra a gravidade. Nas panturrilhas se encontram "corações", cuja função é devolver o sangue venoso das extremidades ao pulmão, onde será filtrado e enriquecido com o oxigênio do ar.

Se a pessoa não fizer exercícios físicos com frequência, ou se deixar a perna muito tempo parada, essa circulação sanguínea é prejudicada e formam-se os coágulos nos vasos. Esses podem ser absorvidos, mas em alguns casos sobem aos pulmões, levando ao quadro de tromboembolia pulmonar.

Os sinais de que coágulos (também chamados de trombos) estavam se formando nas pernas da professora passaram despercebidos, mas quando saiu para pedalar em volta da quadra de casa no início de abril, a falta de ar denunciou que eles já tinham se deslocado ao pulmão.

"Eu sou asmática, e tenho medicamento controlado. Usei e aliviou, mas ainda estava estranho. Eu não tinha febre, nem perda de olfato e paladar e pensei que não era a Covid-19, porque estava sempre em casa e me cuidando. Mas a falta de ar foi piorando. Eu tomava café e não conseguia lavar a louça; não conseguia respirar no banho; lavava a roupa e não podia estender", relata Nilce, que também é coordenadora do curso de Farmácia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente do Fórum de coordenadores de curso de graduação.

Embora tivesse o histórico de duas tromboses anteriores, uma durante um voo internacional longo e outra depois de uma cirurgia, o momento da pandemia não permitiu que Nilce visse outras causas possíveis para o próprio quadro de saúde. E quando buscou ajuda médica em um hospital, nem mesmo os médicos desconfiaram da tromboembolia.

Diante disso, ela passou uma semana sendo tratada para a Covid-19, porque mesmo com os exames apontando o contrário, há o risco de resultados falso-negativos. Como os sintomas não melhoravam, e parte dos pacientes infectados pelo novo coronavírus também podem apresentar tromboembolias, a professora fez um exame de imagem que identificou a condição.

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Nilce foi internada com sintomas de falta de ar, que se confundiam com a Covid-19, quando na verdade era um quadro de tromboembolia Foto: Arquivo pessoal

Fatores de risco

Quando os coágulos, ou trombos, se deslocam das pernas (onde normalmente são formados) para os pulmões, dependendo da quantidade e a localização, podem ser fatais, de acordo com Carlos Peixoto, cirurgião vascular do hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro e professor da PUC-Rio.

"É uma doença grave, e se não fizer uso dos remédios para dissolver o coágulo, pode ter óbito. Inclusive temos observado que o fato de as pessoas estarem mais em casa, ganhando mais peso, sem fazer exercícios físicos, esses são fatores de risco para a trombose", explica o médico, que também coordena a prova de especialista em cirurgia endovascular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).

Peixoto lista ainda que a falta de uma hidratação adequada, aliada ao sedentarismo, excesso de peso, tabagismo, uso hormonal e mesmo a instabilidade hormonal entre as mulheres (como a menopausa e gestação) podem favorecer o surgimento da trombose.

"Pacientes com mais chance de desenvolver são aqueles acamados, que ficam mais de três dias na cama, como no pós-operatório. Pessoas que ficam em função do home office e deixam as pernas por mais tempo paradas. Por isso que em algumas empresas não tem lixeira na sala, mas em uma sala ao lado, para fazer as pessoas andarem", completa o médico.

A médica cardiologista Lídia Zytynski Moura lembra que, embora a doença possa acometer a todos, um grupo tem um risco ainda maior: pacientes com doenças vasculares prévias. "Em geral são pessoas com varizes ou com outra patologia. Nos demais, pode acontecer, mas é mais frequente no grupo que já tem uma doença vascular venosa, dos membros inferiores, as varizes", explica a especialista, que atua no hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba, e é professora da PUCPR.

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Sinais de alerta

Antes que a trombose evolua para uma tromboembolia, alguns sinais nos membros inferiores podem ser percebidos pela população, embora exijam atenção, de acordo com a médica cardiologista:

  • Inchaço nas pernas;
  • Vermelhidão;
  • Calor,
  • Dor na panturrilha.

É importante lembrar que esses sintomas tendem a aparecer em conjunto, não separados. Uma dor na panturrilha, sozinha, não indica uma trombose necessariamente. "Não é um sintoma ou outro, mas normalmente se manifestam todos esses", completa.

Caso tenha falta de ar, esse é um sinal importante que pode indicar a ida dos coágulos para o pulmão. Procure auxílio médico. De acordo com o cirurgião vascular, o diagnóstico da trombose é feito por um exame de imagem, o eco doppler. "É um exame simples. Na dúvida, se está com dor há mais de três dias e que não responde aos remédios convencionais, busque o especialista, como o cirurgião vascular ou um angiologista", reforça.

Solução? Mexa-se sempre

Quando perceber que está parado há muito tempo, como uma hora sentado na mesma posição, mexa-se. Levante, vá até a cozinha, hidrate-se e caminhe por pelo menos cinco minutos. Mexa as pernas enquanto estiver na mesa, como se acelerasse um carro. Parece pouco, mas entre pessoas sem doenças prévias, esse tempo pode fazer a diferença na prevenção da trombose.

"Atenção principal para os que já têm histórico de trombose ou varizes, que já tiveram um evento prévio ou doenças de coagulação, que propiciam a formação da trombose, ou cardiopatas. Esses devem intervalar mais o trabalho. O difícil é fazer isso em casa, mas a pessoa pode tomar mais água, que exige que ela vá ao banheiro mais vezes", sugere a médica cardiologista.

Para Nilce, agora é o momento de recuperação, em que ela deve mesclar movimentos, mas sem se mexer muito. "Faço fisioterapia própria para a perna, porque não pode ficar parada, mas também não posso me mexer. Vou ficar seis meses tomando anticoagulante, porque o risco de fazer mais uma tromboembolia é maior, e eu preciso impedir meu corpo de fazer coágulos", explica.

Mas, segundo a professora, a principal mensagem é o alerta aos colegas e outras pessoas que acompanharam a sua jornada pelos vídeos que postou no YouTube: não fiquem parados.

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Depois de 16 dias internada, a professora recebeu alta para continuar a recuperação de casa na última segunda-feira (25) Foto: arquivo pessoal.
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