Sinais de transtorno alimentar podem iniciar na adolescência. Contudo, preconceito e vergonha dificultam a procura por ajuda| Foto: Bigstock
Ouça este conteúdo

Após conhecer alguns transtornos alimentares e outras doenças relativas à ingestão (ou não) de alimentos, é importante saber o próximo passo após um diagnóstico: o tratamento. Por isso, para encerrarmos a série, hoje trataremos sobre a importância dos recursos terapêuticos utilizados pelos pacientes, que possibilitam alcançar uma qualidade de vida digna e saudável.

CARREGANDO :)

Pessoas com anorexia nervosa demoram cerca de quatro anos para buscar tratamento especializado após o início dos sintomas, enquanto pessoas com bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar só procuram ajuda profissional após 10 e 20 anos, respectivamente, do aparecimento de alguns sinais.

Siga o Sempre Família no Instagram!

Os dados alarmantes são fruto da pesquisa realizada por Glauber Higa Kaio, no Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares (PROATA), ao realizar o mestrado em transtornos alimentares, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E, claramente, demonstram a dificuldade de os pacientes com transtorno alimentar buscarem um tratamento.

Publicidade

Segundo o médico, que também é habilitado em tratamento para transtornos alimentares baseado em habilidades familiares, pelo New Maudsley Approach de Londres, a demora na busca pelo tratamento pode se dar pelo estigma, vergonha ou preconceito generalizado quanto aos transtornos mentais. “É mais fácil tratar o que se vê, como uma fratura óssea, do que algo que não se vê, com as emoções”, exemplifica.

Infelizmente, “muitos acreditam que conseguirão superar sozinhos ou que corresponde apenas a um período transitório e que vai passar”. Outros, por se considerarem fracos ao não conseguirem superar os sintomas, deixam de pedir ajuda por vergonha. E ainda há quem acredite ser uma “doença da moda” ou “frescura”, sendo desnecessária qualquer intervenção.

Ocorre que todas essas suposições estão completamente equivocadas e, por ser uma questão psiquiátrica, o transtorno alimentar também causa muito sofrimento ao paciente, necessitando de acompanhamento e tratamento profissional, alerta Higa Kaio. Além disso, alguns dos pacientes buscam mascarar os sintomas e esconder o diagnóstico, seja por receio de ser julgado pela família e amigos ou por ter frustrado seu “plano” de perder peso. “Uma pessoa com anorexia nervosa não quer ganhar peso, então ela vai resistir muito a buscar um tratamento”, exemplifica o médico.

Contudo, o quanto antes o tratamento for iniciado, maior a chance de recuperação. “Na prática, vemos que os pacientes que fazem tratamento logo no início do aparecimento dos sintomas evoluem melhor”, conta Higa Kaio, ao distingui-los dos pacientes que demoram para buscar ajuda. “Por estarem acostumados a lidar com os sintomas, acabam fazendo uso deles para ‘aliviar’ alguma questão emocional mal resolvida, dificultando o tratamento”.

Por isso, em casos de suspeita, a pessoa deve procurar avaliação imediata de um profissional especializado e não desistir de buscar ajuda ao encontrar alguma dificuldade.

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

O tratamento pode englobar uma equipe interdisciplinar

Confirmado o diagnóstico de transtorno alimentar, independentemente da causa ou gatilho que originou a doença, o paciente pode ser encaminhado a uma equipe multidisciplinar experiente e que adote a mesma conduta. Ela é composta, principalmente, por um psiquiatra, psicólogo, nutricionista e um médico clínico, como endocrinologista, nutrólogo, pediatra ou gastroenterologista.

“O profissional especialista vai coordenando e observando o momento certo que cada profissional deve entrar no tratamento. Nem sempre o tratamento é com os quatro profissionais de uma vez. Isso pode variar a cada caso, podendo, inclusive, contar com profissionais de educação física, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta ou outros”, diz o Higa Kaio.

O psiquiatra, segundo ele, é o profissional responsável por confirmar o diagnóstico e avaliar a possível existência de outros transtornos mentais que são comuns de ocorrerem concomitantemente com o alimentar, como a depressão, transtorno bipolar, de ansiedade, uso de álcool e drogas e de personalidade borderline.

Já o psicólogo, trabalhará com as questões emocionais que levam o paciente a ter um comportamento inadequado quanto à alimentação. Além disso, avalia e trata as distorções cognitivas em relação à alimentação e à imagem corporal, explica o médico.

Publicidade

O ideal para o tratamento da grande maioria dos transtornos alimentares é que não seja estabelecida nenhuma dieta, devendo ser direcionado o paciente para uma nutrição comportamental e não prescritiva. Por isso, “além de avaliar a deficiência nutricional, o nutricionista poderá orientá-lo na modificação dos comportamentos alimentares como um todo, através de uma psicoeducação na relação da pessoa com a comida”, complementa o psiquiatra.

E ainda explica que o médico clínico (endocrinologista/nutrólogo/pediatra/gastroenterologista), ao acompanhar um paciente com algum transtorno alimentar, poderá avaliar e tratar as complicações clínicas decorrentes dos comportamentos inadequados relacionados à comida, como complicações na pele, cabelos, cardíacas e ósseas.

Por ser uma área nova, a psicóloga Priscilla Leitner, especialista em comportamento e transtornos alimentares, orienta que as pessoas busquem profissionais especialistas, evitando generalistas, a fim de diminuir erros de diagnóstico. “Transtorno alimentar tem remissão total do quadro. Ou seja, tem como superá-lo e retornar a ter uma qualidade de vida, desde que com o tratamento adequado”, ela motiva.

Psicoeducação é uma das formas de prevenir os transtornos alimentares

A prevenção dos transtornos alimentares é muito importante, porém difícil de ser alcançada atualmente, adverte Priscilla, que é fundadora do Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba (IPCAC).

Geralmente, muitos dos sinais de algum transtorno alimentar se iniciam na adolescência, entre os 12 e 16 anos. Contudo, culturalmente, desde cedo os adolescentes são inclinados a quererem perder peso, e orientados a seguirem uma dieta com restrição alimentar, alerta a psicóloga. “Essa faixa etária é muito mais suscetível aos impactos das exigências corporais, da mídia e do culto ao corpo”, destaca a especialista. Por isso, é muito importante psicoeducar a sociedade, desde as crianças até os mais velhos, para prevenir que traços compulsivos, por exemplo, tornem-se gatilhos para algum transtorno.

Publicidade

“Os transtornos alimentares são poucos conhecidos pela população em geral e muitas vezes a pessoa que o tem nem imagina que está com o problema”, conta Higa Kaio. Por isso, conscientizar a população, seja dos riscos do culto ao corpo e da restrição alimentar, assim como da existência dos transtornos alimentares e seu tratamento, pode ser uma ferramenta eficaz para minimizar quadros severos e crônicos.