Mulheres e homens reagem de forma diferente à Covid-19. Em geral, elas apresentam menos complicações graves da infecção pelo novo coronavírus e, consequentemente, têm uma mortalidade menor. Uma das explicações para isso pode estar nos hormônios femininos, com destaque ao estrogênio.
Pesquisadores da King's College de Londres, na Inglaterra, examinaram a taxa de infecções da Covid-19 a partir das informações que mais de 500 mil mulheres registraram em um aplicativo criado pela universidade, o COVID Symptom Study App (aplicativo de estudo dos sintomas da Covid, em tradução livre).
Ao compararem os resultados, eles perceberam que mulheres que haviam entrado na menopausa tinham um risco maior da doença em comparação às mais jovens. Outro achado foi que mulheres na menopausa, mas que faziam reposição hormonal, tinham um risco semelhante para a doença, mas menor para casos mais graves – com menor necessidade de internação. O estudo foi publicado na plataforma medRxiv e não passou pela revisão de outros pesquisadores.
Estrogênio e o sistema de defesa
Sabe-se que na menopausa a produção hormonal cai, inclusive a do estrogênio. Este hormônio, produzido pelos folículos do ovário, é responsável por diferentes funções no organismo. Dentre elas, as características sexuais secundárias, o controle da ovulação e uma modulação do sistema imunológico.
"As células de defesa possuem receptores do estrogênio, e esse receptor inibe uma resposta anti-inflamatória. Então, em uma fase inicial, a mulher apresentaria uma resposta mais intensa e eliminaria o vírus mais rapidamente", explica Emerson Cestari Marino, médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, regional Paraná (SBEM-PR).
Isso explica, inclusive, porque nas mulheres as doenças autoimunes tendem a ser mais prevalentes. Condições como hipotireoidismo, lúpus e artrite reumatoide surgem quando há uma reação exacerbada do sistema imunológico contra o próprio corpo. Quando há uma redução na produção do estrogênio (especialmente próximo da menstruação), no entanto, há maior risco para doenças oportunistas, como candidíase e herpes.
"É algo conhecido há algum tempo [ação do estrogênio no sistema imunológico], e é um dado semelhante a outros coronavírus, como o MERS, SARS. As mulheres tiveram menos complicações que os homens nesses casos também", completa o endocrinologista, que atua no Hospital Nossa Senhora das Graças e no Centro Diabetes Curitiba.
Ação contra Covid-19 ainda não está clara
No contexto da Covid-19, o estrogênio pode ser uma das explicações, mas associar esse efeito ao hormônio ainda é muito precoce, de acordo com Jaime Kulak Junior, médico ginecologista.
"Eu acho cedo ligar uma coisa com a outra, porque a Covid-19 é uma infecção ainda muito recente. Mas, certamente, essa é uma hipótese", completa o especialista, que também é professor e coordenador do programa de pós-graduação em Tocoginecologia e Saúde da Mulher da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A cautela é compartilhada pela médica ginecologista Elisa Chicareli Pinhat, professora da Universidade Positivo. "Com certeza é muito cedo [confirmar a associação do estrogênio com menor risco para Covid-19]. A mulher que entra na menopausa tem, em média, 50 anos e a [falta de] proteção pode não ser pela redução do estrogênio, mas pelo fato de ela estar em um grupo de risco pela idade", reforça a especialista, que atua no ambulatório de Uro-ginecologia do Hospital do Trabalhador, em Curitiba.
Para se confirmar a hipótese levantada pelos pesquisadores britânicos, será necessário um estudo do tipo ensaio clínico controlado, randomizado (em que as pessoas participantes sejam distribuídas entre grupos de forma aleatória), em que as mulheres sejam divididas em pelo menos dois grupos: aquelas em pós-menopausa que recebem uma reposição hormonal e as que não recebem. "Feito isso, olhar nesse comparativo quem tem mais infecção e, se tiver, qual é a gravidade. E precisam ter, nos dois grupos, mulheres com as mesmas comorbidades. Não pode ter um grupo com mais comorbidades que o outro, porque isso pode fazer diferença no resultado", completa a médica ginecologista.
Proteção do coração
Outra hipótese associada ao estrogênio e à Covid-19, segundo Emerson Marino, médico endocrinologista, seria uma proteção secundária. Sabe-se que o hormônio também favorece uma saúde cardiovascular nas mulheres – tanto é que o risco de infartos, entre elas, aumenta na menopausa.
Se há um maior risco de problemas cardíacos a partir desse período, e danos no coração são também complicadores da Covid-19, a redução do estrogênio poderia favorecer a infecção pelo novo coronavírus. "Na Covid-19, vemos que a pessoa com obesidade, diabete e hipertensão tem mais complicações. Então, essa proteção cardiovascular também pode estar relacionada a um efeito menos grave do coronavírus nas mulheres antes da menopausa", detalha Marino.
Isso não significa, porém, que todas as mulheres devam receber uma reposição hormonal. Há riscos associados a isso, como por exemplo entre pacientes que passaram por um câncer de mama, com a ameaça de retorno da doença, caso o tumor fosse do tipo hormônio-dependente.
Marino lembra ainda que, dentre as complicações listadas da Covid-19, está o risco aumentado de formação de trombos (coágulos) – situação que também é favorecida pelo estrogênio. "O estrogênio, principalmente o etinilestradiol, tem um risco de trombose. É um risco pequeno, na população em geral, mas se considerar que a Covid-19 também aumenta o risco de evento tromboembólico, colocar uma medicação que tem efeito semelhante pode ser mais problemático do que benéfico. Mas seria preciso outro estudo randomizado para confirmar", completa.