Em todo alerta sobre as infecções pelo novo coronavírus, duas condições estão no topo das preocupações que, quando unidas, representam risco maior de agravamento do quadro individual: a idade avançada e a presença de comorbidades, que são as doenças pré-existentes.
A suscetibilidade à infecção é igual para todos os expostos ao vírus, mas há diferenças na manifestação e na gravidade dos quadros.
"Isso ocorre por que as pessoas têm diferentes reservas funcionais. Quem tem problemas de saúde anteriores tem menos reservas cardíaca e pulmonar, o que leva ao desgaste maior e mais chance de comprometimento e de óbito decorrente da tentativa do organismo de combater o vírus", diz o infectologista Jaime Rocha.
Além de diabete, doença arterial coronariana, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência renal, são potenciais agravadores da doença outras comorbidades como câncer (e pacientes em quimioterapia), portadores de HIV não tratados (e com imunidade baixa) e transplantados de forma geral. "Claro, há casos de jovens com essas comorbidades que manifestaram a doença e agravaram e outros não, então ainda não há resposta clara", diz.
Mas como as comorbidades tornam suscetíveis a quadros mais graves pacientes infectados pelo novo coronavírus? Segundo Marta Fragoso, médica infectologista dos Hospitais VITA e do Hospital de Clínicas da UFPR, essas doenças criam dificuldades para a defesa do organismo quando atacado.
"Uma infecção viral respiratória (influenza, gripe ou Covid-19), demanda maior metabolismo do organismo, que fica acelerado e precisa de muito mais energia para poder dar conta da infecção, causando repercussão grave e agravando a doença de base", diz ela.
Coração muito exigido
Quem tem alguma condição cardiovascular, principalmente quem já teve um infarto, derrame, quem tem hipertensão ou o entupimento de grandes vasos (as doenças cardiovasculares mais comuns), deve ficar atento também.
"A fragilidade desse cardiopata não vem da redução da imunidade, mas por ter uma baixa reserva quando o organismo mais precisa que o coração bombeie sangue de modo mais eficaz, que o cérebro trabalhe melhor e que todos os vasos funcionem do melhor modo possível", diz Jaime Rocha. "É como acelerar o carro com pouco óleo. A falta de óleo não afeta o sistema desse carro, ele vai andar devagar e bem, mas se este carro tiver que acelerar, ele não terá reserva para isso."
Isso ocorre porque frente à infecção, o organismo produz a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), que demanda mais do organismo como um todo.
"Um coração no limite da função pode acabar entrando em exaustão. Mas isso ocorre também com o pulmão em portadores de enfisema pulmonar, já que este paciente pode ter hipoxemia crônica (falta de oxigênio no sangue) e, ao ser submetido a uma infecção que piora ainda mais a oxigenação, isso pode conduzir à insuficiência respiratória crônica agudizada e levar o paciente a precisar de ventilação mecânica em uma unidade de terapia intensiva (UTI)", diz o infectologista Clovis Arns, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Diabetes e hipertensão
Entre as mais comuns comorbidades encontradas em pacientes diagnosticados com o Covid-19 até o momento estão diabetes e hipertensão que, segundo o infectologista Jaime Rocha, se deve à maior prevalência dessas doenças crônicas no mundo, principalmente em pacientes de maior idade.
"Hipertensão não altera propriamente a imunidade, enquanto a diabetes pode, sim, ter efeito sobre ela: estudos mostram altera a velocidade de replicação e de resposta dos macrófagos, mas isso depende do tipo, da gravidade e dos tratamentos associados", diz ele.
Quem faz mau controle de doenças crônicas também se expõe a quadros mais graves. "Pacientes com diabetes mal controlada e HIV não controlado são mais suscetíveis a infecções graves", diz Clóvis Arns, médico infectologista.
Medicamentos no alvo
Usuários crônicos de corticoide, como asmáticos ou pacientes que têm doença inflamatória crônica, que precisam usar o corticoide em dose alta, como anti-inflamatório hormonal, precisam ficar atentos por que seu uso pode baixar a imunidade.
"Doenças autoimunes – principalmente as reumáticas como artrites e lúpus – fazem com que o organismo fique mais inflamado cronicamente, alterando a imunidade e deixando-os mais suscetíveis", diz Marta Fragoso, médica infectologista.
Complicação tardia
Por outro lado, com a infecção instalada, entre as complicações mais comuns da doença até então registradas e que decorrem da Covid-19 está a sepse. Segundo a infectologista Marta Fragoso, esse cenário é algo natural, pois que se trata da complicação mais tardia da infecção.
"A Covid-19 inicia como uma infecção (5% dos casos necessitam de UTI) e muitos evoluem para sepse, que é uma infecção bacteriana. Ou seja, começa como doença viral e a morte acaba por sepse, que é uma complicação bacteriana secundária", diz ela.