Assim como o corpo, as células também envelhecem e há ainda as doenças, que podem atrapalhar o processo de cura.| Foto: Bigstock
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Recentemente, visitei uma paciente de 83 anos no hospital depois que os paramédicos a levaram às pressas para o pronto-socorro com um ferimento na perna que apresentava infecção. Sua provação começou discretamente quando ela esbarrou na borda afiada de uma mesa e desenvolveu um pequeno corte. A ferida não fechou, mas ela ignorou o fato até que acordou com dor em uma manhã, duas semanas depois de machucar a perna.

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A filha dela ligou para a emergência depois de perceber a pele vermelha com e pus – ambos sinais de infecção. Nossa equipe médica a tratou com antibióticos intravenosos e curou a infecção, mas a ferida não fechou totalmente até pelo menos um mês depois, quando ela já havia recebido alta hospitalar, inclusive.

E como é diferente a história quando se tratam de crianças! Elas podem gritar no início, mas em poucos dias a crosta cai, revelando uma nova pele. Por qual motivo a cura foi tão demorada em minha paciente de 83 anos em comparação com uma criança saudável? A resposta é a idade. Décadas de vida retardam a cura para a maioria dos tecidos.

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Três estágios de cicatrização de feridas

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Sou um médico que estuda como o envelhecimento predispõe os pacientes a doenças como diabetes e se mudanças comportamentais, como o jejum intermitente, podem retardar o envelhecimento. Para entender por que a ferida na pele em minha paciente mais velha cicatrizou tão lentamente, é importante primeiro entender como as feridas cicatrizam nas condições ideais de juventude.

O processo de cicatrização de feridas é tradicionalmente classificado em três estágios: o primeiro é a inflamação. Essencialmente é a tentativa do corpo de limpar a ferida. Durante a fase inflamatória as células imunes chamadas fagócitos movem-se para a ferida, matam qualquer bactéria contaminante e ingerem e eliminam as células mortas e os resíduos.

A inflamação prepara o terreno para a fase regenerativa, em que vários processos trabalham em conjunto para regenerar a pele danificada. As células da pele de reposição nascem quando as células na borda da ferida se dividem, enquanto as células de fibroblastos estabelecem uma estrutura de suporte chamada de matriz extracelular. Isso mantém as novas células unidas. Qualquer estrutura de suporte da pele danificada, como os vasos sanguíneos que fornecem oxigênio e nutrientes essenciais, também precisam crescer novamente.

O segundo estágio fecha efetivamente a ferida e restaura uma barreira protetora contra as bactérias. A fase regenerativa é relativamente rápida, mas tênue – a pele nova é frágil.

A fase final de remodelação ocorre ao longo de alguns anos, à medida que a nova pele é progressivamente fortalecida por vários processos paralelos. A matriz extracelular, que inicialmente foi colocada de forma aleatória, é quebrada e substituída de uma forma mais durável. Qualquer célula residual de fases anteriores que não são mais necessárias – como células do sistema imunológico ou fibroblastos – tornam-se inativas ou morrem. Além de fortalecer a pele nova, essas ações coletivas também respondem pela tendência das cicatrizes a desaparecerem visivelmente com o tempo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Doenças atrapalham o processo de cura

Uma das principais maneiras pelas quais o envelhecimento pode atrapalhar a progressão ordenada e eficiente pelos estágios de cura é por meio dos problemas de saúde decorrentes de doenças da velhice.

O diabetes é um exemplo de doença fortemente associada à idade avançada. Uma das muitas maneiras pelas quais ele afeta negativamente a cura é causando o estreitamento dos vasos sanguíneos. Como consequência da circulação inadequada, nutrientes essenciais e oxigênio não chegam à ferida em quantidades suficientes para alimentar a segunda fase regenerativa.

Diabetes é apenas uma das muitas doenças relacionadas com a idade que perturbam os processos normais do corpo, como a cicatrização de feridas.

As células também envelhecem

Além dos impactos negativos das doenças associadas ao envelhecimento, as próprias células envelhecem. Em um sinal extremo de envelhecimento denominado senescência celular, as células perdem permanentemente a capacidade de se dividir. As células senescentes se acumulam na pele e em muitos outros órgãos à medida que as pessoas envelhecem e causam uma série de problemas.

Quando as células se dividem mais lentamente - ou quando param de se dividir totalmente devido à senescência – a pele fica mais fina. A substituição das células de gordura, que formam uma camada protetora sob a pele, também diminui com a idade. A pele de pacientes mais velhos é, portanto, mais propensa a lesões em primeiro lugar.

Uma vez que a pele de uma pessoa mais velha é ferida, a pele também tem mais dificuldade de cicatrizar adequadamente. Células imunológicas envelhecidas e senescentes não podem se defender contra bactérias, e o risco de infecções cutâneas graves aumenta. Então, no estágio regenerativo, taxas lentas de divisão celular se traduzem em regeneração lenta da pele. Minha paciente exibiu todos esses efeitos negativos da idade – sua pele fina e quase translúcida se rompeu de uma pequena protuberância, infectou-se e levou quase dois meses para crescer totalmente.

Mas as células senescentes são mais do que apenas espectadores disfuncionais. Por razões que ainda não são totalmente compreendidas, as células senescentes liberam subprodutos tóxicos que danificam o tecido circundante e conduzem a inflamação – mesmo quando não há ameaça bacteriana presente. Alguns desses subprodutos podem até acelerar a senescência em células vizinhas. Isso sugere que o envelhecimento intrínseco das células é, em essência, contagioso e as células senescentes alimentam ativamente um ciclo descontrolado de inflamação e dano aos tecidos que impede ainda mais a regeneração e a cura bem-sucedidas.

Um problema de corpo inteiro

Como o tecido mais visível do corpo, a pele fornece uma explicação para o motivo pelo qual as pessoas se curam mais lentamente com a idade, mas todos os tecidos podem ser feridos e são suscetíveis aos efeitos do envelhecimento.

As lesões podem ser pequenas, repetitivas e aumentar com o tempo – como o efeito do fumo nos pulmões, ou podem ser discretos e dramáticos – como a morte de células cardíacas. Tecidos diferentes podem cicatrizar de maneiras diferentes. No entanto, todos os tecidos compartilham uma sensibilidade às repercussões do envelhecimento do sistema imunológico e um declínio na capacidade de regenerar células mortas ou danificadas.

Entender por que a cura fica mais lenta com a idade é importante, mas minha paciente fez uma pergunta muito prática que os médicos muitas vezes enfrentam de uma forma ou de outra: “Doutor, o que você pode fazer por mim?”

Infelizmente, o tratamento atual de feridas é bastante antiquado e frequentemente ineficaz. Algumas das opções disponíveis incluem trocas de curativos, antibióticos quando a ferida está infectada ou tratamento em uma câmara de alto oxigênio quando a circulação é ruim devido ao diabetes.

Há esperança, porém, de que a medicina possa ter um desempenho melhor e que o progresso na compreensão do processo de envelhecimento leve a novas terapias. Neutralizar células senescentes em camundongos, por exemplo, melhora uma variedade de doenças associadas à idade. Embora seja muito cedo para dizer que os pesquisadores descobriram a fonte da juventude, estou otimista para um futuro em que os médicos dobrarão a curva do envelhecimento e farão a pele e outros órgãos curarem mais rápido e melhor.

*Matthew Steinhauser é professor de Medicina na University of Pittsburgh Health Sciences
©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.