Estudo analisou sequências do genoma do vírus e verificou que a mutação na proteína Spike tende a não interferir nas vacinas| Foto: Pexels
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Há pouco mais de um mês, pesquisadores descobriram que o novo coronavírus passou por uma mutação e que essa mudança poderia tê-lo ajudado a se espalhar mais facilmente – visto que se tornou a forma dominante do Sars-CoV-2 no mundo. Ainda permanecia, porém, uma dúvida importante: a mutação afetaria as vacinas em desenvolvimento?

Pesquisadores dos Estados Unidos parecem ter chegado mais próximo dessa resposta. Em uma pesquisa, divulgada no dia 31 de agosto pela revista científica da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS), cientistas de diferentes instituições norte-americanas analisaram 18.514 sequências do genoma do vírus, e verificaram que as vacinas que usarem qualquer uma dessas sequências podem, teoricamente, ser efetivas contra o novo coronavírus em circulação.

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"Na proteína Spike imunogênica [proteína que se liga à enzima conversora de angiotensina 2 da célula e permite a entrada do vírus, além de provocar a resposta imunológica], a mutação D614G se tornou unanimidade, mas ainda não há evidências de que essa mutação afetaria a ligação ao receptor ACE2 [sigla para enzima conversora de angiotensina 2]. Nossos resultados sugerem que, até o momento, a limitada diversidade vista no Sars-CoV-2 não deve impedir que uma única vacina forneça uma proteção global", destacam os pesquisadores no artigo publicado.

De acordo com os cientistas, os desenvolvedores das vacinas contra a Covid-19 devem considerar a mutação D614G na proteína Spike, visto que ela se tornou a variedade que se espalhou por diferentes países do globo.

Certezas e dúvidas

Embora chegue perto de uma resposta, o estudo não deve ser visto como uma verdade absoluta sobre a questão – como é comum na Ciência.

"Aparentemente, essa mutação não interfere nas vacinas, porque apesar de [a mutação ocorrer] na proteína que o organismo humano reconhece [chamada de Spike, ou S], não haveria uma interferência. Isso não exclui a possibilidade de que novas mutações surjam, como acontece com o influenza [gripe], mas aparentemente não é o caso para o novo coronavírus, por enquanto", explica Viviane Alves, microbiologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e chefe do laboratório de Biologia Celular e Microrganismos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Se houver uma interferência no futuro, de acordo com a pesquisadora, a mudança na abordagem não seria exatamente no número de doses que cada cidadão receberia da vacina, mas na frequência dessas aplicações. "Não dá para falar em doses em relação às mutações [do novo coronavírus], mas se ele sofrer mutação, talvez a população tenha que se vacinar todos os anos, como ocorre com a vacina da gripe. Mas ainda é muito cedo para falar sobre isso, porque pode ser que não seja necessário", explica.

Ainda assim, uma coisa é certa, segundo Alves: quanto mais o novo coronavírus circular entre as populações, maior o número de mutações que podem surgir.

"A resposta imune pode ser similar, mas sofre pressões diferentes de acordo com o hospedeiro. Quando está se replicando, o vírus sofre erros, mas esse coronavírus parece ter uma estabilidade muito grande, um mecanismo de correção que faz com que não erre quando há a reprodução. Isso é uma vantagem. Em geral, quanto mais um vírus circula, maior a chance de ocorrer mutação", detalha.

As mutações mais importantes do novo coronavírus foram aquelas que permitiram que ele deixasse de infectar apenas animais e passasse a se instalar no organismo humano. "Se ele terá outras [mutações], depende muito da frequência de mutação. Os pesquisadores desse estudo mostram que ela é mais baixa que a do SARS, por exemplo", diz.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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