Países que vacinam a população contra formas graves da tuberculose podem estar um passo a frente na batalha contra a Covid-19. Um estudo, ainda precoce e sem revisão de outros pesquisadores, sugere que as nações que mantêm a vacina BCG no calendário de imunizações estariam apresentando números de mortalidade e morbidade para o novo coronavírus menores que aqueles países sem essa vacina na rotina.
Itália, Holanda e Estados Unidos seriam exemplos desse cenário. Sem a política de vacinação universal contra a tuberculose grave, apresentam números crescentes para a doença. Inclusive, como temos visto, Itália e Estados Unidos foram apontados como novos epicentros da Covid-19 na Europa e na América, respectivamente.
Para chegar a esses resultados, os pesquisadores do Departamento de Ciências Biomédicas do Instituto de Tecnologia de Nova York, nos Estados Unidos, avaliaram as políticas de vacinação de diferentes países. O foco do grupo se deu, principalmente, na data de início da imunização pela BCG (Bacillus Calmette-Guérin), bactéria causadora de formas graves da doença. Ao mesmo tempo, avaliaram os números de casos e de mortes pelo novo coronavírus nos mesmos países.
De forma a evitar que diferenças sócio-econômicas pudessem explicar alterações nos números, os países analisados tinham, todos, mais de um milhão de habitantes e foram separados de acordo com a classificação do PIB de cada nação, conforme dados do Banco Mundial. Assim, os pesquisadores verificaram que países com uma renda média e alta, e com uma política universal de vacinação, apresentaram uma média de 0,78 mortes por milhão de pessoas para a Covid-19. Já aqueles, sob as mesmas condições econômicas mas sem a política universal da vacinação, a média chegava a 16,39.
A data de início da vacinação em cada país também foi significativa para explicar os números, argumenta o estudo. O Irã, por exemplo, tem atualmente a política de vacinação da BCG, mas ela só foi instaurada em 1984. Isso explicaria porque o país tem uma mortalidade média de 19,7 mortes por milhão de habitantes. Em comparação, o Japão deu início à vacinação em 1947 e tem 100 vezes menos mortes, com uma média de 0,28.
Os pesquisadores citam ainda o Brasil, que possui a vacina BCG na rotina de imunização das crianças há décadas, e apresenta uma média de 0,057 mortes por milhão de habitantes para a Covid-19.
Números em dúvida
Antes de qualquer conclusão, é importante que fique claro que esse estudo vê uma correlação entre a vacina da BCG e a mortalidade pela Covid-19, mas não é possível, por enquanto, traçar uma relação de causa e efeito.
"Já tínhamos recebido esse estudo, e é bem interessante. No entanto, ainda são muitas variáveis que devem ser levadas em consideração ao tratarmos da Covid-19. Ainda é muito precoce para tirar qualquer conclusão com esse estudo, como a grande maioria dos estudos em relação à Covid-19", explica Juarez Cunha, médico pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Caso os resultados se concretizem, Cunha lembra que o Brasil poderia ser beneficiado, visto que a vacina da BCG faz parte da rotina do Programa Nacional de Imunizações. "Apesar do estudo, os nossos números estão crescendo. Não temos como saber se a BCG vai ter um efeito protetor ou não na nossa população. Tomara que isso se confirme, porque é uma vacina aplicada de rotina nas crianças ao nascer desde os anos 1970", reforça o médico.
Efeito antiviral da BCG?
Apesar de prevenir principalmente formas graves da tuberculose, a vacina BCG pode ser que tenha uma ação contra vírus também, conforme explica Juarez Cunha, presidente da SBIm.
"Existem outros estudos com especulações de que a BCG poderia proteger contra outras infecções virais, mas contra a Covid-19 está surgindo só agora. E mesmo esses outros estudos não traziam evidências científicas que comprovassem isso. Na nossa visão, ainda é muito precoce, mas a gente torce para que essa teoria possa se refletir na prática", reforça o médico.