Depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS), na figura do porta-voz Christian Lindmeier, recomendar a substituição de medicamentos com a substância ibuprofeno para o combate aos sintomas do novo coronavírus, a instituição voltou atrás um dia após o alerta.
Nesta quarta-feira (18), a OMS anunciou que desconhece estudos de quaisquer efeitos negativos da substância, além dos efeitos colaterais usuais que limitam a indicação do medicamento em certas populações, e que não recomenda contra o uso da substância.
"Atualmente, baseado nas informações disponíveis agora, a OMS não recomenda contra o uso do ibuprofeno. Nós estamos consultando médicos que cuidam de pacientes com a Covid-19 e não estamos cientes de nenhum estudo sobre efeitos colaterais, além daqueles usuais que limitam o uso [da substância] em certas populações.
Por que havia o alerta sobre o ibuprofeno?
A possibilidade de que alguns medicamentos, entre eles aqueles que continham o ibuprofeno, potencializassem os efeitos do novo coronavírus no organismo humano levou a OMS a não recomendar o uso - alerta feito na terça-feira (17).
"Recomendamos o uso de paracetamol e não usar o ibuprofeno como automedicação. É importante", declarou o porta-voz da OMS, Christian Lindmeier, em Genebra, na Suíça.
No último sábado (14), o ministro da Saúde da França Olivier Verán havia alertado contra o uso da substância, com a justificativa de que os medicamentos anti-inflamatórios que contenham ibuprofeno na formulação poderiam agravar a infecção. O alerta foi feito por meio do perfil do ministro no Twitter.
A postagem de Verán foi motivada pela publicação de uma revisão de estudos na revista científica Lancet, na última quarta-feira (11), que apontava para os riscos associados ao uso da substância entre pacientes com a Covid-19. O ibuprofeno é conhecido por sua ação no alívio da febre.
Segundo o cardiologista da Quanta Diagnóstico por Imagem e diretor científico da Sociedade Paranaense de Cardiologia, Miguel Morita, o estudo publicado não é uma evidência sólida.
"É uma especulação, teve repercussão muito grande devido ao momento que passamos. O que nós estamos fazendo no meio médico em relação ao ibuprofeno é não recomendá-lo. Existem outras medicações como dipirona, paracetamol que são alternativas que ajudam a tratar igualmente os sintomas [de uma gripe ou da Covid-19]", diz.
"O uso indiscriminado de anti-inflamatórios não é necessário para um quadro infeccioso, por assim dizer. Pelo contrário, pode causar risco aos rins, problemas no coração. É apenas para um curto período de tempo, para aliviar os sintomas" - Miguel Morita, médico cardiologista.
Médicos em alerta
Algumas instituições médicas, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia, de Reumatologia, Dermatologia e o Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (Gediib) já recomendavam a precaução no uso do ibuprofeno, com base em estudos preliminares e experiências de alguns países europeus.
"O uso de ibuprofeno pode estar relacionado a uma pior evolução das alterações pulmonares provocadas pelo novo coronavírus. As sociedades científicas de Cardiologia e Infectologia vêm recomendando evitar o uso deste medicamento em caso de febre, a exemplo dos órgãos oficiais de saúde internacionais (França, Alemanha e Itália) [...] Até que mais evidências possam respaldar recomendações sobre o uso de anti-inflamatórios, recomenda-se cautela na indicação", diz trecho de comunicado com recomendações das sociedades de Reumatologia, Dermatologia e Gediib para profissionais de saúde das respectivas áreas e seus pacientes.
Diferenças entre Brasil e Europa
Uma questão cultural favorece o Brasil nessa questão, conforme destaca Marta Fragoso, médica infectologista do Hospital VITA e do Hospital de Clínicas da UFPR. Ao contrário da Europa, o ibuprofeno não faz parte da nossa cultura. "Já havia uma recomendação para evitá-lo como automedicação por aqui", conta.
Na Itália, por outro lado, muitos pacientes tomam o medicamento em casa. O estudo da Lancet mostrou que combinado com o vírus Sars-cov-2 em laboratório, o remédio acelerou a multiplicação do vírus.
Fragoso diz ainda que tanto esse, como a maior parte de estudos sobre a Covid-19, ainda carecem de confirmações, mas fez ponderações.s
"O estudo mostra uma tendência de piora no quadro. Os corticoides, anti-inflamatórios hormonais têm o mesmo efeito, fazendo com que a doença se prolongue. Já o paracetamol pode ser usado de forma segura."
Quais medicamentos devem ser mantidos?
Na mesma linha de especulação estão medicamentos voltados para o tratamento da hipertensão arterial, como Captopril, Enalapril e outros inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA). Para Miguel Morita, médico cardiologista, esses medicamentos devem continuar sendo tomados pelos pacientes.
"Estão na mesma linha de especulação. Não tem fundamento de pesquisa clínica, logo não existe evidência para suspender essa medicação. É um risco não só pelo descontrole da pressão e outras doenças, como pela insuficiência cardíaca. O remédio tem um benefício em prolongar a vida dessa pessoas e evitar que piorem", argumen
O doutor em Cardiologia pela USP diz que a interrupção da medicação pode inclusive tornar o doente cardíaco – grupo de risco da pandemia – mais vulnerável a uma infecção mais grave pelo novo coronavírus. "Parte da prevenção da doença [Covid-19] é que a pessoa esteja bem compensada, medicada em sua doença de base corretamente".
O mesmo vale para a aspirina (o ácido acetil-salicílico), segundo Morita. "Se suspender de quem usa cronicamente, pode facilitar um infarte, um derrame". Em caso de dúvida, a recomendação é que se procure pelo seu médico.
A médica infectologista Marta Fragoso também defende a não suspensão nesses casos. "Não há orientação formal para que se pare absolutamente. Pode causar um efeito deletério e mais problemas com outras doenças. Até o ibuprofeno, se existir recomendação, deve ser consultado com o médico antes que se mude algo".