A urgência que a Covid-19 causou no mundo pode ter ajudado a tornar o processo de sair dos escritórios e trabalhar de casa mais tranquilo do que o retorno ao presencial que vemos agora. Tanto que há uma nova sigla chamando atenção dos profissionais de saúde mental: FORTO, Fear Of Returning to The Office, ou o medo de voltar ao escritório.
É fácil entender o porquê: até o fim de agosto, apenas 32% da população brasileira havia recebido as duas doses das vacinas; ainda não há um consenso nacional sobre a adoção de medidas de proteção, como o uso correto das máscaras; e, em alguns casos, as pessoas veem o trabalho remoto como mais benéfico que o presencial.
O medo, portanto, não é algo irracional para este momento, segundo explica Dagoberto Hungria Requião, médico psiquiatra e professor da Escola de Medicina da PUCPR. "Enquanto a ansiedade é um desconforto e mal estar que você não identifica a causa, o medo é diferente. Ele está ali, você o vê. O indivíduo pode ter resiliência, pode lidar muito bem com esse medo, mas a realidade está ali, que é: ele precisa voltar para o trabalho", afirma o especialista.
Sinais do FORTO
Encarar a realidade abre as perspectivas do medo, e as preocupações podem ultrapassar um pouco dos limites, gerando o FORTO. "A pessoa passa a focar em questões como: 'será que todo mundo foi vacinado? Mas as vacinas não funcionam 100%, e agora? Será que eu estarei protegido? E em dias de frio e chuva, que eu podia ficar em casa antes, agora vou ter que sair? Nunca tem lugar para estacionar perto do trabalho! E o que eu faço com a violência?'", exemplifica Requião.
Como consequência, alguns sintomas podem surgir, como:
- Batimento cardíaco acelerado;
- Dificuldades para dormir;
- Impaciência;
- Aumento no consumo de bebidas alcoólicas;
- Uso aumentado de medicamentos tranquilizantes;
- Pensamentos e preocupações excessivas.
Como aliviar os sintomas?
Passar por isso vai depender das características de cada pessoa, mas ter uma visão positiva do retorno ao trabalho presencial pode ajudar.
"[O indivíduo pode se lembrar que] vai rever os colegas, vai ter tempo para fazer um trabalho mais tranquilo e a interação social vai ser resgatada. O ambiente em casa deve retornar aos indicadores positivos de antigamente, porque hoje a pessoa em casa está mais irritadiça, precisa cuidar com o barulho, tem um baixo limiar à distração", explica Requião.
O uso de medicações que ajudem a tranquilizar pode ser adotado, mas como uma segunda opção, segundo o especialista. "A prescrição de um remédio deve ter um diagnóstico claro. A medicação é para quando o medo incapacita a pessoa de desempenhar bem a sua função, não no trabalho, mas na família. Uma primeira opção seria a terapia, e a segunda a medicação."
Outra sugestão do médico psiquiatra é pela adoção de hábitos de vida saudáveis, como os exercícios físicos regulares. "Em casa, as pessoas ficam sentadas o tempo inteiro. Não precisam caminhar do estacionamento ao escritório. O exercício físico gera efeitos, altera a química cerebral, com a dopamina, endorfina, e é um grande ajudante para a pessoa amarrada nessa situação", reforça Requião.