Nesta sequência de conteúdos sobre transtornos alimentares, após expormos sobre o cuidado com dietas restritivas, explicarmos a diferença entre o transtorno de compulsão alimentar e o episódio compulsivo e alertarmos sobre os riscos de acordar durante a madrugada para comer, falaremos, hoje, sobre a ortorexia nervosa. Na próxima sexta-feira (29), você poderá entender um pouco mais sobre a relação entre os alimentos e as emoções.
É cada vez mais comum encontrarmos pessoas que têm um profundo conhecimento sobre os alimentos e procuram ter uma alimentação saudável. Em geral, a motivação para esse comportamento é a tentativa de proteger-se contra doenças causadas pela ingestão excessiva de açúcares, industrializados e até mesmo de pesticidas e hormônios.
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Porém, quando a preferência pelos alimentos saudáveis se torna uma obsessão e fixação pela pureza e valor nutricional, a busca pela saúde pode se transformar em uma ortorexia nervosa. O alerta é do psiquiatra Glauber Higa Kaio, que atuou durante sete anos como pesquisador e colaborador do Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares (Proata) da Unifesp.
Ainda que seja um transtorno alimentar não oficial, o sofrimento daqueles acometidos pela doença é muito grande. Além da desnutrição, por evitar ingerir alguns grupos alimentares, o médico explica que o paciente pode ter picos de estresse, angústia e até frustração quando a sua prática alimentar é interrompida. “Aliás, muitos começam a se isolar para manter uma alimentação que acreditam ser saudável, perdendo relacionamentos próximos e uma qualidade de vida social”, conta.
Rigidez e disciplina podem mascarar a obsessividade patológica
A perfeição é o alvo de grande parte dos pacientes acometidos pela ortorexia nervosa. “Por meio de uma personalidade rígida e sistemática, o problema alimentar apenas intensifica a obsessão por uma vida perfeita”, destaca a psicóloga Priscilla Leitner, especialista em transtornos alimentares.
Por isso, muitas vezes, quando passa por processos rígidos na alimentação ou protocolos bastante reduzidos de calorias ou grupos alimentares, o paciente sente-se orgulhoso, já que possui a rigidez necessária para cumprir o que lhe fora determinado. Porém, é possível que a ortorexia nervosa seja o pano de fundo.
E, além do próprio orgulho, Priscilla alerta que essa ausência de flexibilidade na alimentação pode ser vista como resultado de uma suposta disciplina, valorizada pelos amigos e familiares, intensificando a repulsa por certos tipos de alimentos. “O reforço social pode agravar os sintomas, já que a pessoa se sente aprovada. Isso pode prejudicar o convívio social e familiar, já que ao intensificar a busca pelos alimentos que considera saudáveis, a pessoa começa optar por não ir aos eventos que oferecem outros tipos de comida”, explica a psicóloga.
Falta de aceitação traz dificuldade ao tratamento
O isolamento social é tão grande, que é comum que a família sinalize o sofrimento antes do próprio paciente. Isso porque, as pessoas que têm ortorexia nervosa nem sempre identificam um prejuízo, já que entendem que estão buscando a alimentação saudável de uma forma disciplinada.
Assim, geralmente quem procura pelo tratamento, o faz por outro motivo. Pode ser por um transtorno de ansiedade, a depressão, uma irritabilidade, problemas com insônia ou algum embate familiar, devido ao sofrimento das pessoas ao seu redor. “E, durante o tratamento, o profissional especializado acaba identificando o padrão alimentar”, explica Higa Kaio.
Em função disso, Priscilla destaca a dificuldade encontrada na conscientização do paciente para o tratamento. “É comum o paciente com ortorexia nervosa trazer artigos científicos para justificar seu comportamento alimentar e tentar convencer o especialista do contrário, por exemplo".
Após passar por um processo de aceitação, além do tratamento comum aos transtornos alimentares restritivos – que serão abordados futuramente, Higa Kaio acredita ser necessário identificar o que simboliza na vida do paciente a preocupação e busca excessiva por uma alimentação saudável, pela pureza dos alimentos e o perfeccionismo encontrado na pessoa. “Esses sintomas e comportamentos alimentares rígidos e inflexíveis podem estar refletindo algo emocional da pessoa”, destaca o especialista.
Então, como saber o limite da alimentação saudável?
Flexibilidade é a palavra-chave, indica Priscilla. “Se você percebe certa rigidez ao não abrir qualquer exceção ou ao se alimentar de algo diferente, sente muita culpa, é hora de buscar ajuda”, destaca ela. Para facilitar no entendimento da flexibilidade e rigidez, Higa Kaio elenca alguns dos principais sinais que alertam quando o limite da alimentação saudável foi ultrapassado:
- Gasto excessivo de tempo pesquisando e avaliando o valor nutricional dos alimentos;
- Gasto excessivo de tempo na hora de escolher um restaurante para fazer as refeições, quando não é possível preparar sua própria comida;
- Saúde física fragilizada, principalmente desnutrição;
- Pensamentos e comportamentos obsessivos relacionadas à alimentação saudável que acarretam prejuízos em outras áreas da vida;
- Irritabilidade e angústia quando seu plano alimentar foi frustrado ou “saiu fora” do que havia planejado;
- Sentimento de culpa e muita preocupação quando são consumidos alimentos classificados pela pessoa como “não saudáveis”, ou “impuros”;
- Isolamento social por não tolerar as crenças alimentares de outras pessoas;
- Gasto excessivo de dinheiro para obter os alimentos que considera saudáveis;
- Não consegue tirar o foco da sua alimentação;
- Preocupação excessiva com a ingestão de alimentos impuros ou não saudáveis;
- Preocupação excessiva sobre como a qualidade dos alimentos e o valor nutricional podem impactar na sua saúde física ou mental,
- Evitar de forma rígida os alimentos que considera “não saudáveis”, por poderem conter algum tipo de gordura, conservantes, aditivos alimentares, produtos de origem animal, etc.