Em dez anos, o mundo deverá ter 254 milhões de crianças e jovens entre 5 e 19 anos vivendo com obesidade – no Brasil, serão 7,6 milhões. A previsão é do Atlas da Obesidade Infantil, um relatório publicado em 2019 pela organização World Obesity. Para atenuar um prognóstico como esse, existe um fator que é incontornável: o estilo de vida dos próprios pais, que sempre tem um papel preponderante em modelar os hábitos dos filhos.
“O estilo de vida da família é o fator mais poderoso na mudança do estilo de vida da criança. Os pais servem de modelo de comportamento: quanto mais eles se exercitarem e melhor eles comerem, estando presentes na vida da criança, mais as crianças vão se motivar a fazer o mesmo”, garante a pediatra Denise Lellis, da Liga de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). “Quando a criança é maior, os amigos e os grupos também passam a ser modelos muito importantes. Por isso é bom pensar em quais ambientes inserimos nossos filhos”.
Para isso, não basta que a família estabeleça uma série de regras a respeito dos hábitos de alimentação e de exercícios físicos – isso pode ser completamente ineficaz, como aquelas resoluções que fazemos sob pressão e não duram uma semana. “Observamos melhores resultados se a família muda a relação com a alimentação, saindo do registro do sacrifício – ter que comer pouco – para o registro do prazer”, orienta a psicóloga Andreia Moessa de Souza Coelho.
Para todas as crianças
“Quando vamos realizar uma reeducação alimentar, sempre sugiro que comecem por comidas que sejam apetitosas para a família, que resgatem o prazer de comprar, preparar e até mesmo de plantar os alimentos. A criança que se envolve nestas etapas da alimentação geralmente passa a estabelecer outra relação com a comida”, afirma Andreia. “Um exemplo simples seria plantar temperinhos em casa e envolver as crianças no cuidado e colheita. Fazer a feira, conhecer os legumes, ver como se prepara – mesmo que seja possível fazer isso só aos fins de semana, pensando na realidade da maior parte das famílias”.
Curtir o cheirinho do alho e da cebola na panela, deter-se no toque e na cor de frutas e legumes diversos e acompanhar o pão que as próprias mãos amassaram crescendo no forno são experiências que transformam o modo de nos relacionar com a nossa alimentação. Ao mesmo tempo, faz um bem danado abandonar o hábito de comer diante das telas – algo que impede crianças e adultos de estabelecer uma relação com a comida, saboreando-a e aproveitando o momento.
Quando olhamos as coisas desde esse ponto de vista mais aprofundado, fica claro que isso não se aplica apenas às crianças com sobrepeso. “Muitas crianças que têm o peso considerado saudável comem muito pior do que outras crianças que têm excesso de peso”, aponta Denise. “É muito comum que os profissionais de saúde foquem no tema da alimentação somente com crianças que estão acima do peso, quando sabemos que a qualidade alimentar de nossas crianças e adolescentes é ruim independentemente do estado nutricional em que estão. O discurso deve ser o mesmo para todos”.
Bullying
É por isso que tratar da obesidade infantil focando no peso e na aparência da criança é um equívoco. “O nosso foco deveria estar no comportamento: fazer exercícios, melhorar a alimentação, dormir melhor e procurar reduzir o estresse são comportamentos que levam à melhoria do estado nutricional”, diz Denise. Segundo a pediatra, apontar para o sobrepeso da criança imaginando que a vergonha a impulsionará a tomar medidas em favor da sua saúde é um tiro no pé.
“O bullying causa muito estresse e assim a criança come mais, dorme pior, passa mais tempo acordada e come por ansiedade, que é o que a gente chama de comer emocional”, afirma a pediatra. “O bullying não ajuda nem motiva. É um fator de piora – e uma agressão à saúde emocional da criança”.
Para Andreia, uma das medidas que todos os pais devem tomar para prevenir o bullying em qualquer caso é preparar as crianças para viverem as diferenças. “Nós somos constituídos por diferenças e acolher a diversidade em si e no outro é um caminho que pode fortalecer as crianças”, assegura a psicóloga. “Antes de mais nada, seria interessante que as mães e os pais avaliassem seu próprio julgamento em relação ao peso e ao corpo da criança. A família é muito importante na construção da sua autoimagem e da sua segurança”.