Três em cada cinco óbitos por Covid-19 que envolveram o fator de risco obesidade foram de indivíduos abaixo dos 60 anos de idade, um dado alarmante visto que é a única comorbidade em que não preponderam mortes dos mais idosos (74% dos mortos têm mais de 60 anos de idade). Dos mortos pelo novo coronavírus até agora, 75% apresentavam pelo menos um fator de risco.
No boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado nesta segunda-feira (13), em que foram revelados os detalhes de 1.066 das 1.328 mortes registradas até o momento, dos 48 óbitos (4,5% dos casos totais) em indivíduos com a comorbidade obesidade, 29 casos (60% deles) se referiram a indivíduos abaixo dos 60 anos de idade.
Pessoas de qualquer idade com doença preexistente importante têm risco alto de desenvolver formas graves da Covid-19, e a obesidade grave (IMC maior do que 40kg/m2) está na lista dessas condições, diz a endocrinologista Cintia Cercato, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo, citando documento publicado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano.
“Não há muitas publicações sobre essa relação, mas recentemente um relatório do serviço nacional de saúde do Reino Unido com informações de 196 pacientes com Covid-19, admitidos na UTI, confirmaram: sete em cada dez pacientes tinham excesso de peso, 40% deles eram obesos”, diz.
Por que jovens?
Independentemente da idade, um paciente com obesidade grave está predisposto a uma série de problemas de saúde que podem acarretar quadros mais graves de Covid-19 (e de qualquer infecção). Um adulto jovem com obesidade ou excesso de peso tem a mesma característica inflamatória de alguém com mais de 65 anos, como explica Mário Carra, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “Esta condição facilita a ação de qualquer doença, pela diminuição de fatores que combatem a inflamação e pelo aumento da produção de substâncias inflamatórias”, diz ele.
Aliás, estar em estado permanente de inflamação é uma das características do organismo do obeso, o que altera o equilíbrio pulmonar, como evidenciam estudos com animais, diz Cintia. “Quando há infecção viral, a resposta inflamatória promove a quebra da barreira do epitélio pulmonar, aumentando o fluxo de líquido para o espaço que deveria ser ocupado pelo ar. Assim, em animais obesos, há maior dano pulmonar e maior edema, levando à piora da capacidade respiratória e maior mortalidade”, fala.
Isso acontece porque a resposta celular imediata ao vírus é, além de atenuada, atrasada. Como essa primeira resposta é uma ponte para ativar a resposta imunológica mais elaborada, esta também estará prejudicada. “A disseminação viral é maior nos animais obesos e o tempo de doença, maior”, diz ela.
Efeitos deletérios
Outra consequência nefasta da obesidade, particularmente a visceral, é promover a resistência à ação da insulina e inflamação sistêmica crônica, condição denominada síndrome metabólica.
“Essa condição predispõe a mais doenças metabólicas como hipertensão e diabetes tipo 2 e a eventos cardiovasculares como infarto e derrame”, diz Cintia, e estes todos são fatores de risco adicionais para quadros mais graves do Covid-19. “Por ser uma doença multifatorial, que atinge vários órgãos, a obesidade desencadeia ainda depressão imunológica, doenças pulmonares e até mesmo asma”, explica Mário Carra.
Pulmões atingidos
O excesso de gordura que reveste o tórax e o aumento de gordura abdominal também prejudicam a capacidade pulmonar ao alterar a dinâmica da respiração normal, que envolve a contração do diafragma, que empurra o conteúdo abdominal para baixo e, ao mesmo tempo, a contração dos músculos intercostais que tracionam as costelas para cima e para frente.
Cintia explica por que o obeso também tem maior chance de desenvolver asma, outro fator de risco para quadros graves em Covid-19. “Obesos apresentam asma de difícil controle, pela inflamação crônica e pelos produtos do tecido adiposo, as citocinas, que podem causar hiper-responsividade brônquica. Isso vai gerar impactos diante de uma infecção”, afirma ela.
Além disso, obesos têm mais apneia do sono, cuja consequência tardia é a alteração do controle respiratório, que aumenta o risco de hipoventilação durante o dia, prejudicando a troca de gases do pulmão e reduzindo a oxigenação no sangue.
Intubação difícil
Caso seja infectado pelo novo coronavírus e haja necessidade de internamento em uma enfermaria ou em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o obeso pode ter uma limitação de manejo devido a essa condição. “Além do próprio peso, que por si só cria dificuldade para se movimentar e para intubação endotraqueal, o aparelho respirador tem que ter mais força para ventilar adequadamente, aumentando o risco para esse paciente” diz Carra.
Cintia cita que a incidência de intubação difícil, realizada por médicos especializados como os anestesistas, chega a 13% em pessoas com obesidade. “Isso ocorre pela maior deposição de gordura em face, região malar, tórax, língua, e pelo pescoço curto com excesso de tecidos moles em palato, faringe e região superior e anterior da laringe. Além disso, pode haver restrição à abertura da boca e limitações da flexão e extensão da coluna cervical”, diz ela, alertando que o paciente obeso também apresenta maior pressão intra-abdominal e maior risco de microaspirações, o que favorece infecções bacterianas secundárias.
Vidro fosco comprometido
Uma limitação importante no manejo dos pacientes com Covid-19 ocorre na realização de exames complementares como tomografia computadorizada, diz Cintia Cercato. Um dos parâmetros do grau de comprometimento pulmonar é visto em achados de infiltração em padrão de vidro fosco na tomografia. “Porém, os tomógrafos têm limite de peso, a depender do tipo. Há tomógrafos que têm como limite de peso 120kg/130 Kg e nem todos os serviços têm tomógrafos para pacientes acima de 150Kg”, afirma.
Explicação
As razões para o risco maior em obesos segundo Cintia Cercato, endocrinologista da SBEM-SP:
- Maior chance de ter diabete tipo 2 e doença cardiovascular, fatores de risco para infecções graves por Covid-19.
- Pior imunidade, independentemente de serem hipertensos ou diabéticos. Isso se deve à inflamação sistêmica que afeta as respostas imunes imediata e a mais elaborada, chamada resposta adaptativa.
- Quanto maior o grau de obesidade pior é a capacidade respiratória, pela compressão do tórax pela gordura, causando restrição para a expansão dos pulmões.
- Mais apneia do sono, que altera o controle respiratório aumentando o risco de hipoventilação durante o dia, prejudica a troca de gases do pulmão e reduz a oxigenação no sangue.
Diferença de notificação
Uma diferença de notificação também pode ajudar a explicar por que adultos mais jovens são mais acometidos por mortes tendo a obesidade como fator de risco. “Se, por um lado, entre os mais velhos talvez exista muita subnotificação dessa comorbidade, visto que atestados de óbito raramente têm a obesidade como condição associada, no caso dos jovens, que têm menos doenças crônicas que os mais velhos, a obesidade acaba sendo citada como fator de risco associado”, diz Cintia.
Asma preocupa
Além da obesidade, a asma também foi apontada por Wanderson Oliveira, secretário de vigilância em saúde do ministério, na coletiva da última quinta-feira (9), como um fator de risco importante entre os mais jovens, visto que quase 35% das vítimas que apresentavam tal comorbidade (10 de 28 mortes) tinha menos de 60 anos.