No início da pandemia, a lista de sintomas da Covid-19 era composta por três sinais: febre persistente, falta de ar e tosse seca. Agora se sabe que a perda de olfato e paladar, cansaço, dores musculares, náusea, vômito, diarreia, dores de cabeça e mesmo manchas dermatológicas podem estar associados à doença.
Ainda não há tratamentos, mas há pelo menos 2 mil estudos em andamento ao redor do mundo que avaliam o impacto de medicamentos e substâncias contra o novo coronavírus. Da mesma forma, as pesquisas com as vacinas avançam, e há 10 candidatas que já começam a serem testadas humanos, uma delas com 10 mil participantes, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A doença é nova, e há muito ainda a se descobrir, mas o que já se sabe? E o que ainda é dúvida?
Confira abaixo algumas das afirmações que podem ser feitas no momento, e o que ainda precisa ser mais estudado, de acordo com Rafael Polidoro, pesquisador da área de imunologia, doutor em bioquímica e imunologia e pós-doutorando na Escola de Medicina da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.
Doença respiratória, mas não só isso
Embora os primeiros sintomas da Covid-19 a associassem a uma doença do sistema respiratório, sabe-se hoje que o impacto do novo coronavírus vai além do pulmão. Sintomas neurológicos, renais, cardiológicos e de coagulação estão associados à doença, e há quem sugira até mesmo uma mudança no nome do vírus, para uma maior compreensão do impacto. De Sars-CoV-2 para MOD-CoV-2 - sigla que representaria uma Síndrome de Disfunção Orgânica Múltipla.
O impacto da doença entre crianças também vem sendo repensado. Ainda que a maioria tenha sintomas leves, ou mesmo nenhum, algumas podem apresentar sinais que lembram condições graves, como a síndrome de Kawazaki.
Sinais dermatológicos também estão sendo associados à doença, como o chamado "dedo da Covid-19". No entanto, estudos mais aprofundados ainda são necessários para comprovar essa relação.
Mas uma coisa é certa, segundo explica Rafael Polidoro, pesquisador da área de imunologia: a Covid-19 parece exigir tratamentos individualizados, e não protocolos gerais.
Condição é individual
Os sinais podem ser semelhantes, mas não é tão incomum pacientes apresentarem sintomas não clássicos, e ainda assim estarem infectados pelo novo coronavírus. A perda do olfato e do paladar é um exemplo.
Embora não fizessem parte da lista de sintomas iniciais, mostraram-se importantes indicadores da doença – apesar de não se apresentarem em todos os pacientes. "Uma das coisas mais importantes para se fazer uma boa quarentena e não ter muitos casos é que isso garante tempo para os laboratórios e hospitais avaliarem os biomarcadores de cada paciente. Você precisa de tratamentos individualizados que só quem tem esse tempo pode fazer", explica Polidoro.
O pesquisador cita o caso da Europa, no início da pandemia. "Imagina na Itália, chegando 800 pacientes por dia, e você precisando fazer um tratamento protocolar. É uma péssima ideia porque você pode, inclusive, prejudicar a saúde de pessoas com a interação medicamentosa", reforça.
Outro exemplo é com relação ao uso compartilhado de respiradores em Nova York, nos Estados Unidos. "Como os casos vinham todos de uma vez, eles decidiram usar o mesmo ventilador para duas pessoas. Como vai fazer isso? Cada um precisa de uma quantidade específica", reforça.
Países que conseguiram segurar a ascensão da curva, diminuindo a quantidade de pessoas que precisavam de um tratamento mais intensivo, puderam ter tempo para lidar melhor com essas diferenças entre os pacientes e conhecer melhor a resposta do organismo a cada etapa da infecção.
Esqueça os remédios milagrosos; foco no timing
Além de que identificar quais remédios terão um efeito benéfico contra o novo coronavírus (e não espere um ou dois, mas talvez um conjunto de medicações, tal qual é para a Aids), a comunidade médica e científica está em busca de saber qual é o melhor momento para administrá-los.
"A hora de tratar importa muito para saber quando o remdesivir ou a hidroxicloroquina vão ser úteis, e quando eles não vão ser. Tratar com antiviral em um paciente na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], por exemplo, não é muito útil. Isso pode inclusive piorar a situação porque pode aumentar a inflamação da pessoa", explica o pesquisador.
De acordo com Polidoro, quando o pulmão está mais comprometido pela doença, o antiviral não teria uma ação tão benéfica. "Porque o paciente já não está mais respondendo ao vírus, derivada de dano pulmonar."
Quantidade de vírus importa
Ainda não há estudos que comprovem de fato essa associação, mas se a Covid-19 seguir as características de outras doenças, como a SARS, Influenza e MERS, quanto maior a quantidade de vírus a que a pessoa for exposta, pior serão os sintomas.
"O vírus sobrevive em superfícies de um a três dias, então se você abre uma porta e na maçaneta estão o vírus em grandes quantidades, em condições viáveis, e encostar a mão no rosto, a pessoa entraria em contato com uma quantidade enorme. Tendo mais vírus, eles chegam mais rápido ao pulmão, porque o corpo, sozinho, não consegue suprimir", explica Rafael.
O organismo humano possui uma resposta antiviral intrínseca, que consegue dar conta de alguns poucos vírus, visto que se tornou algo natural, decorrente da evolução. Mas, se o vírus se apresentar em grandes quantidades, a resposta antiviral também deve ser maior.
Lave a mão, mesmo que de maneira simples
Para garantir uma menor exposição ao vírus, a higienização correta das mãos deve continuar – ainda que não seja do melhor jeito possível. A lavagem com água e sabão, tomando o cuidado de esfregar todos os dedos, punhos e palmas, é a mais recomendada, mas se isso não for possível, uma lavagem rápida deve ser mantida, segundo Polidoro.
"Uma das questões que eu trago a hipótese de que melhora a mortalidade pela Covid-19 com o tempo é o cuidado com a higienização das mãos, mesmo que mal. Pois remove um pouco do vírus, e a pessoa entra em contato com uma quantidade menor", explica.
Imunidade pós-Covid-19?
Há estudos, e fortes indícios, de que quem desenvolveu a infecção possa ter uma imunidade para a doença. Mas ainda é necessário esperar pesquisas mais aprofundadas e tempo para comprovar essa associação.
Dos mais recentes, dois estudos identificaram a presença de células de defesa linfócitos tipo T em pacientes recuperados da Covid-19. Essas células específicas são aquelas que, ao entrarem em contato com os vírus, desenvolvem a chamada memória imunológica.
Isso acontece porque, uma vez resolvida a infecção, parte dessas células permanece de prontidão no organismo para um novo encontro com os mesmos vírus. "Há sim uma sugestão forte para uma resposta antiviral em pacientes sem sintomas, ou leves, de que eles estejam desenvolvendo uma resposta imune adequada", completa o pesquisador.
Assintomáticos e a transmissão
Na última semana, a OMS se envolveu em uma polêmica com relação à transmissão do novo coronavírus por assintomáticos - pessoas que entram em contato com o vírus, testam positivo para a doença, mas não desenvolvem nenhum sintoma durante o período de incubação.
Em uma entrevista coletiva na última segunda-feira (8), a chefe da Unidade de Doenças Emergentes da entidade, Maria van Kerkhove, comentou que, pelo relato de alguns países, a transmissão do vírus pelas pessoas assintomáticas parecia ser rara. No dia seguinte, outra entrevista foi realizada pela OMS para explicar o comunicado anterior.
De acordo com a entidade, há sim a transmissão, mas a dúvida que ainda permanece é com relação ao tamanho desse risco: se é grande, médio ou baixo. Especialistas alertam ainda para o fato de que pessoas que acreditam serem assintomáticas, mas apresentam sinais que apenas não são clássicos para a doença.
"Boa parte das pessoas que eram chamadas assintomáticas tinham sintomas muito leves e até atípicos, como uma urticária. Também podem ser pré-sintomáticas. Ou seja, ainda não desenvolveram os primeiros sintomas. E as pessoas infectadas começam a transmitir entre um a três dias antes dos primeiros sintomas", explica Viviane Alves, microbiologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e chefe do laboratório de Biologia Celular e Microrganismos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Quando é mais transmissível?
Outra dúvida que surgiu durante a coletiva com a OMS da terça-feira (9), e que os especialistas ainda não têm a resposta, é com relação ao momento em que o paciente mais transmite a Covid-19.
"O que temos são poucos estudos, dados limitados, de quando as pessoas testam positivo e quando elas têm maior carga viral. Não sabemos quando elas são mais transmissíveis, mas pessoas com maior quantidade de vírus são capazes de espalhar mais. E não sabemos por quanto tempo. Estudos preliminares sugerem de oito a nove dias para pacientes com sintomas leves, mas pode ser mais longo. Por isso a importância da quarentena", diz a chefe da Unidade de Doenças Emergentes da entidade, Maria van Kerkhove.
Da mesma forma, ainda não se sabe se outros modos de transmissão podem ser identificados mais para frente. "Certamente tem a especulação sobre a transmissão fecal-oral, ou gastrointestinal, mas não vemos muitas evidências. Nesse momento, as evidências mostram para uma transmissão respiratória, e contaminação de superfícies em contato depois com a mucosa. Mas temos que manter a menta aberta, porque vimos outras doenças que tinham rotas múltiplas de transmissão", conclui Mike Ryan, diretor executivo do programa de Emergências de Saúde da OMS.
Grupos de maior risco
Sabe-se que a doença pode atingir qualquer pessoa, e os sintomas tendem a ser brandos para a maior parte dos casos (cerca de 80%, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, a OMS). Mas alguns grupos estão em maior risco para complicações da Covid-19, como pessoas com doenças crônicas associadas, especialmente diabetes e problemas cardíacos.
Com o passar do tempo, médicos perceberam que homens idosos também se enquadram em um grupo que exige maior cuidado, e um estudo realizado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) sugere uma explicação. De acordo com os pesquisadores, homens depois dos 60 anos tendem a apresentar uma redução na expressão do gene TRIB3 nas células do pulmão. A função desse gene é regular um fluído que protege o órgão, que é o mais afetado pelo vírus Sars-CoV-2.
"Dado o fato de que, previamente, viu-se que o TRIB3 reduz a infecção e a replicação do vírus, a redução da expressão do TRIB3 em pulmões envelhecidos pode ajudar a explicar por que homens mais velhos estão relacionados a casos mais severos da Covid-19. Assim, medicamentos que estimulem a expressão do TRIB3 devem ser avaliados como uma potencial terapia para a doença", sugerem os pesquisadores. O estudo foi divulgado na plataforma BioRxiv, e não passou pela revisão de pares.