Em uma postagem publicada no grupo de Facebook "Eu já tive Covid-19", a aposentada e artesã Angela Maria Silva Santos compartilha uma angústia que, pelos 66 comentários, não é apenas dela. "Parece que a Covid-19 não quer me deixar. Já estou no 47º dia do primeiro sintoma e sinto dor de cabeça todos os dias, dores nos membros, estômago, etc. Alguém mais?"
Angela não está realmente sozinha. Em um levantamento publicado no fim de julho pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), pesquisadores norte-americanos verificaram que 35% dos entrevistados disseram não terem voltado ao estado de saúde anterior à infecção pelo Sars-Cov-2 mesmo duas a três semanas após os primeiros sintomas. Ainda, uma em cada cinco pessoas com idades entre os 18 e 34 anos, e sem comorbidade alguma associada (como hipertensão ou diabete), tinha a mesma resposta: ainda não havia voltado ao que era antes.
Os sintomas, segundo a experiência da aposentada, foram mudando com o tempo, mas alguns a acompanham diariamente. Até o dia 11 de agosto, ela calculou 54 dias de mal estar. "Os sintomas começaram com tosse seca, febre alta, dor de cabeça e diarreia. A dor de cabeça permanece, porém, menos intensa. O estômago também está melhorando, mas de vez em quando eu sinto falta de ar e fadiga", diz Angela, que tem 66 anos e vive em Salvador, na Bahia.
Como a fadiga e a falta de ar não passavam, Angela acabou internada dois dias depois do diagnóstico. Em uma tomografia, os médicos confirmaram, além da Covid-19, uma pneumonia viral que comprometeu parte do pulmão e exigiu o uso do oxigênio, mas sem precisar ir para Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Lá, ficou por oito dias.
"Terrível!", diz Angela sobre a Covid-19. "É uma doença que agrava muito rápido, causa muita ansiedade e medo. Sem falar nos diferentes sintomas. A impressão que tive é que meu corpo inteiro estava lutando para sobreviver."
100 dias de sintomas
Os primeiros sinais da Covid-19 que a contabilista Gabriela Montenegro percebeu foram a perda do olfato e do paladar. Mas não demorou muito para que outros, mais fortes, acompanhassem a moradora de Manaus, no Amazonas, de 33 anos.
"Falta de ar, calafrios, dores musculares intensas. Eu fiquei com muita tontura, de não conseguir ficar em pé. Fiquei com fortes dores de cabeça durante sete dias, direto, que não passavam com remédio. Febre e tosse eu não tive, mas tive tremores na cabeça e pressão nos ouvidos. Nariz congestionado e um cansaço respiratório muito grande. Eu não conseguia escovar os dentes porque me cansava. Tomava banho sentada. Andar era difícil", descreve Gabriela.
Cem dias depois desse primeiro contato com a doença, a contabilista ainda sente dificuldade em respirar e dores nas costas. Para reabilitar, faz fisioterapia respiratória três vezes na semana e caminhadas.
"Não é uma doença simples. É uma praga. É uma doença sistêmica, que atinge todo o corpo, e de lenta recuperação. O que eu aconselharia às pessoas é que fortaleçam a imunidade, e que sempre usem máscara e álcool em gel. São itens fundamentais", sugere.
Embora duas irmãs e o pai tenham sido infectados também, apenas Gabriela permaneceu com os sintomas por um tempo prolongado. "Só quem ficou com sequelas fui eu. Meu pai tem a tosse seca ainda, mas só isso. Ele tem 63 anos e quase morreu, mas agora está bem e sem sequelas", relata.
O que explicaria sintomas tão longos?
Há pelo menos duas hipóteses que poderiam explicar a demora na recuperação de pacientes que passaram pela Covid-19. Uma delas seria uma demora na própria cura da doença. Essa explicação, inclusive, pode responder por que algumas pessoas parecem ter sido "reinfectadas" pelo Sars-Cov-2, de acordo com Daniel Mansur, virologista e professor de Imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
"Alguns vírus, como o Ebola e Zika, permanecem no corpo por bastante tempo e essa é uma possibilidade para o Sars-Cov-2 também. Estamos mais acostumados a ver isso com o herpes que, uma vez em contato [com o vírus], permanece com a gente por toda a vida [alojados nos gânglios nervosos]. Quando há uma variação hormonal ou queda da imunidade, aparece a feridinha na boca. Uma das possibilidades [para a Covid-19] é que essas pessoas nunca foram realmente curadas porque nunca ficaram realmente livres do vírus", explica o especialista.
Para o Sars-Cov-2, no entanto, isso não é certeza. "A persistência do vírus no corpo ainda não é um tema muito bem explorado para entendermos se isso acontece e, se acontecer, em que parte do corpo ele se esconderia. O Ebola, por exemplo, permanece nos testículos", afirma Mansur.
Se for esse o caso, a pessoa poderia até mesmo apresentar um teste RT-PCR (que avalia a presença do vírus na mucosa respiratória) negativo, visto que o vírus pode estar concentrado em outra parte do corpo. "Sabemos que ele infecta o intestino. Essa é uma das possibilidades", destaca.
Danos da tempestade inflamatória
Outra hipótese listada por Mansur é o tamanho do dano causado pela Covid-19 no organismo humano que, naturalmente, precisa de tempo até se recuperar. "Podem haver danos ao corpo, ao pulmão, ao sistema cardiovascular, que a pessoa pode não perceber de início, mas que podem surgir um tempo depois. Se existir um dano prolongado que não está necessariamente relacionado à presença do vírus, você pode se curar do vírus, mas ainda ter de lidar com os danos", explica.
Sabe-se hoje que a resposta que o organismo humano monta para combater a Covid-19 pode ser muito intensa e gerar a chamada "tempestade de citocinas". Essas são substâncias produzidas pelo sistema imunológico e que modulam e instigam a resposta inflamatória. Quanto mais citocinas, maior a resposta e, também, maior será a dimensão do problema com o qual o corpo precisará lidar, mesmo depois que o vírus se for.