Por muitos e muitos anos, o tema do parto esteve cercado de comentários e histórias quase que tenebrosas. Quem nunca ouviu uma tia, uma amiga ou mesmo a mãe contando sobre sua traumática experiência com o nascimento de um filho? Mas o parto, que é geralmente relacionado à dor extrema e a um momento de muito desamparo e desconforto, vem ganhando um novo olhar nos últimos anos.
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Especialistas envolvidos na prática de assistência ao parto e até mesmo as próprias gestantes foram percebendo que a quantidade de intervenções técnicas e cirúrgicas – quando usadas de forma desnecessária e excessiva – mais prejudicavam o processo fisiológico do trabalho de parto do que contribuíam para o sucesso dele. Além disso, a chamada “medicalização do parto”, conceito utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tira da mulher a liberdade e o poder de condução desse momento que é tão único e importante para a mãe e para o bebê.
E foi a partir dessa percepção que, na década de 1980, começou a surgir no Brasil o movimento de “humanização do parto”. De lá para cá, foram muitos anos de reivindicações por mudanças na assistência ao parto e é por isso que só agora ouvimos esse termo com mais frequência.
“As mulheres também começaram a se informar mais, questionar mais e a ter mais acesso às informações técnicas, como as do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde”, explica o médico ginecologista obstetra Álvaro Silveira Neto, do grupo Nascer, de Curitiba, lembrando ainda que o surgimento do conceito de violência obstétrica e a sua exposição através de relatos de milhares de mulheres, como forma oposta ao de parto humanizado, também têm grande importância na divulgação do movimento.
O que é?
Mas como podemos definir o parto humanizado? É um parto somente natural (via vaginal)? É um parto em casa? Um parto na água? Na verdade, não é nada disso. De acordo com Neto, o parto humanizado não é um “tipo de parto”, mas um conjunto de atitudes e condutas que envolvem o atendimento sistemático e multidisciplinar da gestante desde os cuidados do pré-natal até o acolhimento do recém-nascido, independentemente do local escolhido para o parto (casa ou hospital) e do tipo de parto que melhor cabe àquela gestante (natural ou cesárea, quando necessária).
“O objetivo é minimizar as intervenções, respeitar as vontades e os desejos da gestante durante todo o processo fisiológico do trabalho de parto, parto e acolhimento inicial do recém-nascido”, explica o obstetra. “A gestante deve ser a protagonista do próprio trabalho de parto”.
De acordo com Neto, nas gestantes de risco habitual (aquelas sem problemas de saúde prévios ao estado gestacional ou alterações clínicas surgidas durante o pré-natal), que abrangem a grande maioria das gestantes, o trabalho de parto e o parto precisam ser assistidos e não tratados, isso porque são eventos fisiológicos do organismo da mulher. “Devemos fazer intervenções apenas se surgirem condições clínicas que possam interferir no nascimento saudável. Do contrário, devemos apenas manter um cenário de segurança clínica adequada”, afirma o obstetra.
Quais os benefícios?
Um dos principais benefícios do parto humanizado é a participação mais ativa da gestante e o vínculo imediato entre mãe e filho. Segundo Neto, o menor número de intervenções resulta na melhor recuperação da mãe e permite que todas as alterações orgânicas necessárias ocorram da maneira mais equilibrada possível.
“Em um trabalho de parto natural e parto humanizado a hemorragia materna é menor, a taxa de infecção é menor, as taxas de óbito materno e neonatal são menores, os problemas e complicações respiratórias neonatais são menores e a volta as atividades normais da mulher é mais rápida”, observa. “Os riscos são reduzidos sempre que se permite uma evolução natural e fisiológica do trabalho de parto”.
Uma cesárea também pode ser humanizada?
Segundo Neto, mesmo as gestantes de risco habitual e totalmente saudáveis podem precisar de uma cirurgia de cesariana (em torno de 15 a 20%, como refere a OMS). No entanto, a equipe pode minimizar as angústias de um momento cirúrgico fornecendo um melhor amparo e acolhimento. “É possível reduzir o barulho, as conversas paralelas, diminuir a intensidade de luz na sala cirúrgica, deixar o ambiente mais aquecido e aconchegante, permitir que a paciente saiba o que ocorre ‘além do pano azul’ e também permitir um contato imediato, pele a pele, entre mãe e filho”.
“Por lei, no Brasil, a gestante tem direito a ter um acompanhante da sua opção durante todo o trabalho de parto, parto e puerpério imediato”, explica. “Dessa forma, podemos manter um atendimento humanizado ao nascimento sempre e independente da necessidade de uma cirurgia de cesariana”.
Quais os procedimentos envolvidos em um parto humanizado?
Segundo Neto, os procedimentos envolvidos em um parto humanizado são todos aqueles que resultam no mínimo de intervenções possíveis, amparados em evidências científicas. Confira alguns deles:
- permitir a presença de acompanhante e doula da escolha da gestante (lei do acompanhante e lei das doulas);
- evitar termos que ridicularizam a gestante;
- permitir livre movimentação e deambulação da gestante;
- não manter a gestante que está em trabalho de parto em jejum, permitindo ingestão de líquidos e alimentos leves como frutas e gelatinas;
- permitir que a gestante adote as posições que julgar confortáveis do início ao fim do trabalho de parto e parto;
- não amarrar as pernas da gestante durante o parto nos estribos ou perneiras da maca de parto;
- não utilizar soros e medicações sem critérios médicos bem definidos;
- abolir a realização de episiotomia (incisão na região do períneo para ampliar o canal de parto).