Falta de ânimo, problemas em se concentrar e mesmo um apego àquilo que é conhecido ou confortável são sintomas que, vez ou outra, durante a pandemia, a maioria de nós sentiu. Não se trata de depressão ou burnout, e nomear este sentimento se mostrou difícil.
Coube ao psicólogo organizacional norte-americano Adam Grant, em um artigo publicado no jornal The New York Times, jogar luz sobre o desânimo coletivo: languishing. Na tradução literal, definhando. Mas, em outros termos, pode ser lido como um desamparo ou desalento, segundo o médico psiquiatra Marcelo Daudt Von Der Heyde, professor da PUCPR e diretor-secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria.
Segundo o especialista, faz sentido que estejamos com essa queixa coletiva. O desalento tem base nas trocas sociais — das quais fomos privados há mais de um ano por conta da pandemia da Covid-19. "O que nos define como espécie ou um dos nossos principais aspectos é, justamente, sermos seres sociais, e termos relações sociais complexas", explica Heyde.
Como tivemos que nos distanciar, essas relações sociais ficaram restritas às pessoas com as quais compartilhamos a residência. E não apenas a conversa presencial foi comprometida, o toque também. "Você pode ver alguém, mas não pode dar aquele abraço caloroso. Esse é um dos motivos [para o languishing]."
Futuro incerto
Nem todo mundo sentiu essa mudança no início, diz Heyde, especialmente entre aqueles com maior capacidade de adaptação da rotina. No entanto, com o passar do tempo — e sem perspectivas de melhora —, a sensação tende a piorar.
"Em alguns locais já há uma ideia de como está ficando [o pós-pandemia], mas em geral não é o suficiente para se sentir seguro em saber como esse futuro vai ser mesmo. Isso ninguém sabe. Mesmo nos países que estão abrindo, não se sabe por quanto tempo vai durar essa abertura, não sabemos quanto tempo vai durar a vacina, ou qual será a ação das novas cepas", explica.
Planejar o futuro, no meio dessa desesperança coletiva, não é fácil. O especialista sugere começar devagar, incluindo uma rotina mais regrada, especialmente se na sua família isso tiver se perdido ao longo do último ano.
Pequenas rotinas
Levar o trabalho, escola e lazer para a casa foi um desafio que as famílias precisaram atender. Se o ponto de equilíbrio não tiver sido alcançado até agora, o risco de o "languishing" surgir e se manter é maior.
"Como teve muita alteração de rotina, quem teve dificuldades em se adaptar teve o rendimento reduzido e até [afetado] uma parte da cronobiologia. Ficar sem rotinas tem gerado nas pessoas, inclusive, uma alteração na percepção de tempo. Alguns sentem o tempo passar mais lentamente, e outros o contrário, podem achar que um fato de três meses atrás ocorreu na semana passada", explica Heyde.
Voltar à rotina, portanto, pode ser uma solução. "Um exemplo: quando for iniciar uma tarefa do trabalho em casa, ajuda se tiver um local próprio para isso, um computador específico ou se vestir como se fosse para uma situação de trabalho. O manejo do tempo, que é terminar a tarefa, fechar a tela e esquecer daquilo também ajuda", sugere o psiquiatra.
Heyde reforçar que o momento de se desligar tende a ser o mais difícil e, por isso, é importante manter um ritual. Se depois do trabalho você sempre vai caminhar ou passar um tempo com os filhos, quanto mais repetitiva for essa rotina, mais o cérebro vai compreender que o momento mudou de "trabalho" para "lazer".
"Tentar dormir e acordar mais ou menos no mesmo horário, e sempre que possível fazer uma atividade física. Se sair ao ar livre, que seja com segurança, e sem culpa. Sair com culpa não é uma situação agradável", reforça.
De acordo com Heyde, perceber pequenos momentos de alegria também são indicados — e quando se diz "pequenos" são sutis mesmo, como:
- Escutar uma música que gosta e sentir o entusiasmo para cantar;
- Ver como está o céu;
- Sentir a água batendo nas costas no banho;
- Degustar os alimentos da refeição, e não apenas comer em duas garfadas.
"Tem uma cena do filme Beleza Americana em que um rapaz filma um saco plástico voando de acordo com o vento, e ele vê nessa cena uma das coisas mais belas que ele já filmou. É algo muito simples, mas que faz a diferença para termos essas emoções positivas", completa.