Em um estudo publicado na revista científica Journal of Infection, pesquisadores brasileiros detalham a recorrência da Covid-19 entre 33 pacientes que tiveram sintomas e apresentaram diagnóstico positivo para a doença em dois momentos.
Entre os casos relatados, os pesquisadores destacam um homem, farmacêutico de 44 anos, que morreu após o segundo episódio da doença. Este é o primeiro caso de morte por recorrência da Covid-19 documentado no Brasil.
Quando foi infectado pela primeira vez, em maio de 2020, o paciente teve nove dias de sintomas leves e, recuperado, voltou ao trabalho na sequência. Os sintomas voltaram 38 dias depois do primeiro episódio, com um segundo exame RT-PCR (que identifica a presença genética do vírus) com resultado positivo. O segundo exame foi feito no dia 13 de junho.
Neste segundo momento, o paciente apresentou sintomas respiratórios severos e foi internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Após 20 dias de sintomas, o farmacêutico morreu.
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Recorrência ou reinfecção?
Como a pesquisa foi desenvolvida no início da pandemia, não foi possível coletar o material de todos os participantes nos dois momentos da doença. Só assim seria possível identificar se eram vírus diferentes gerando os novos sintomas — e, assim, sendo uma reinfecção — ou se seria o caso de uma reativação/recorrência do coronavírus que já havia infectado antes, segundo afirma Roque Pacheco de Almeida, gerente de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário de Aracaju, professor da Universidade Federal de Sergipe e um dos coordenadores do estudo.
"Não tínhamos material de todo mundo para ver se era uma reinfecção ou uma recorrência, mas conseguimos de alguns e mandamos sequenciar o material de dois pacientes", explica o autor. Um deles era de uma técnica de enfermagem que teve a reinfecção confirmada por uma nova linhagem do coronavírus. Outro era do paciente que veio à óbito.
"Não tínhamos a primeira amostra dele, mas a segunda amostra apresentou uma mutação que já havia sido descrita na Índia e que estava associada a mais óbitos. Ele tinha essa variante que era diferente de outras que estavam circulando, mas como não sabemos qual era a variante na primeira infecção, não temos como afirmar e comprovar [uma reinfecção]. A comprovação só tem de um caso, de recidiva por reinfecção, da mulher", diz Almeida.
Embora os resultados já tenham sido publicados, o autor detalha que há outros 12 casos em avaliação. "Esse estudo está completo, mas estamos dando seguimento com outros pacientes".
Profissionais da saúde, tipo sanguíneo e gravidade
Ao olhar para os 33 pacientes avaliados e comparar com outros 62 participantes do grupo controle (que não apresentaram sintomas da Covid-19 em um segundo momento), os pesquisadores perceberam algumas características:
- Profissionais da saúde. A grande maioria dos pacientes que desenvolveram sintomas pela segunda vez era composta por trabalhadores da área da saúde. "97% das pessoas eram profissionais da saúde e estavam na linha de frente do combate ao coronavírus", detalha Almeida. No grupo controle, apenas 20% atuavam na mesma área.
- Menos anticorpos produzidos. Outra característica foi a baixa produção de anticorpos por esse grupo. "Não sabemos se foi a doença mesmo, porque o vírus pode manipular o sistema imunológico e impedir que tenha uma resposta adequada, ou um problema do hospedeiro, mas quando comparamos com o grupo controle, os pacientes que tiveram sintomas duas vezes também apresentaram menos anticorpos", sugere o autor.
- Tipo sanguíneo A. Pessoas que estavam no grupo sanguíneo A estavam associadas à maior infecção e mais recidiva da Covid-19. "Está publicado na literatura que o grupo sanguíneo A tem maior risco de adquirir a Covid-19 e no nosso estudo isso se mostrou cinco vezes maior", diz o pesquisador. A explicação para isso ainda está sendo estudada, mas poderia estar associada a uma proteína presente entre pessoas deste grupo sanguíneo que se assemelharia ao vírus e impediria uma resposta mais adequada.
- Maior severidade na segunda vez. Neste grupo específico estudado, Almeida explica que a recorrência da doença demostrou ser mais severa que a primeira vez, mas esse dado não deve ser visto como regra. "A doença infecciosa depende do parasita, do hospedeiro e do meio ambiente. Nesse grupo de pacientes, a genética, o grupo sanguíneo ou outros fatores podem favorecer. Mas na maioria da população será só uma vez ou duas e, na segunda pode ser assintomático", afirma. O pesquisador lembra ainda que, como a maioria dos pacientes avaliados atua como profissional da saúde, a exposição a uma maior carga viral decorrente do trabalho também pode justificar a maior severidade. "Com uma maior carga viral, o vírus se replica mais rápido e nem dá tempo de o sistema imune tomar uma decisão. Maior carga viral, com uma variante diferente, pode ser uma explicação".