Um levantamento feito pela Gazeta do Povo com médicos infectologistas mostra que a população brasileira ainda desconhece, ou não cumpre, a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), endossada pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Infectologia de: em caso de sintomas leves, fique em casa.
Ao responderem um questionário enviado a um grupo de médicos da área, 35 infectologistas deram sinais de como tem sido o atendimento aos pacientes de diversas regiões do país em tempos de pandemia do novo coronavírus.
Para 60% dos participantes, desde que a OMS declarou a Covid-19 uma pandemia, houve aumento no volume de pacientes atendidos nos consultórios e hospitais. Entre 34,3% deles, o aumento foi pouco, mas para 25,7% essa procura dos pacientes foi significativa.
Ainda assim, conforme a maioria dos médicos (51,4%), menos de 10% dos pacientes atendidos apresentavam sintomas leves ou mais graves, que poderiam indicar a infecção pelo novo coronavírus. Apenas 8,6% dos especialistas indicaram que mais da metade dos pacientes atendidos tinha os sintomas da doença.
Falta de conscientização
Quando questionados sobre a percepção da conscientização geral da população, mais da metade dos médicos (51,4%) assinalou que "a grande maioria não deveria ter procurado atendimento, pois apresentava sintomas leves e deveria apenas seguir a recomendação de isolamento em casa".
Para 40% dos médicos, pelo menos a metade dos pacientes atendidos deveria ter seguido a mesma orientação, e não ter buscado auxílio médico em áreas de grande circulação de pessoas.
Para 45,7%, a prescrição do teste de diagnóstico da Covid-19 só foi necessária a no máximo cinco pacientes, desde o início da pandemia. Cerca de 20% dos médicos disseram que solicitaram o teste entre cinco a 10 pessoas, e apenas 5,7% fizeram a recomendação a mais de 10 pacientes.
Perfil dos pacientes atendidos
Com relação ao perfil da maioria das pessoas que solicitou atendimento médico, 85,7% dos especialistas afirmaram que se tratavam de pessoas adultas com, aparentemente, boa saúde. Um único especialista indicou ter tratado principalmente de pessoas acima dos 60 anos, que se encaixam, portanto, no grupo de risco.
Das principais recomendações que deveriam ser reforçadas à população, 52% dos infectologistas bateram na mesma tecla: fiquem em casa. "[Peço para as pessoas] respeitarem o isolamento domiciliar, pois não estamos de férias. Pensar no coletivo e não no individual. Ainda vemos pessoas de carro nas ruas, [quando] deveríamos ter somente os profissionais de saúde circulando e as pessoas que trabalham com delivery", argumenta um dos médicos participantes.
"Queria informar que tenho orientado todos os pacientes que me procuram por sintomas respiratórios, ou outros sintomas, para que fiquem em casa e que procurem o hospital em caso de sintomas de alerta (febre persistente, falta de ar, mal estar importante). (...) Nesse momento, temos que dar o exemplo e cancelar todos os movimentos de pessoas que sejam desnecessários. Espero que os outros especialistas atuem da mesma forma", pontua outro participante.
Comportamento da população já mudou
Desde o início da semana, quando o questionário foi respondido pelos médicos, até esta quarta-feira (25), possivelmente as pessoas tenham compreendido melhor as orientações de quando buscar ajuda. Essa é a expectativa do médico Roberto Issamu Yosida, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
"Nesses últimos dias, as decisões e as informações sobre a pandemia têm sido transmitidas muito rapidamente e existe até um excesso de informação. Mas isso fez com que houvesse uma consciência maior, e esse número deve ter mudado", argumenta Yosida com relação aos dados da população que busca atendimento médico mesmo com sintomas leves.
"O Conselho de Medicina e o de Enfermagem fizeram na segunda-feira (23) uma fiscalização nas unidades de saúde de Curitiba para ter uma noção de como as coisas caminhavam por aqui e o que se viu foram poucos pacientes aguardando, profissionais de saúde com os EPIs [equipamento de proteção individual, como as máscaras] e aparentemente a informação de ficar em casa está dando resultado", comentou Yosida.
Para Rafael Mialski, médico infectologista, a questão trabalhista é um dos pontos a serem considerados ao olharmos para esses números. Em algumas empresas, um acordo entre patrão e funcionário pode ser suficiente para que a pessoa comunique uma possível infecção e que, portanto, deva ficar em casa pelo período da quarentena. No entanto, não há clareza quanto a isso ainda.
A Sociedade Brasileira de Infectologia, em um comunicado divulgado no dia 20 de março, solicitou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) que recomendasse que os trabalhadores com resfriado ou síndrome gripal tivessem as faltas abonadas, ainda que não apresentem atestado médico, pelo período de 14 dias.
"Esta solicitação de autodeclaração de resfriado ou 'síndrome gripal' por parte do trabalhador foi aceita pelo MPT e as notificações com a recomendação serão expedidas nacionalmente", comunicou a entidade médica.
Com a liberação da telemedicina no Brasil, esse cenário também poderá ser favorecido, mas nem todos os médicos contam com a tecnologia necessária para fazer o atestado, que exige a assinatura eletrônica. "Não atinge a todos os médicos. Eu, por exemplo, não tenho [a assinatura eletrônica]. Ainda tem uma restrição para atingir a maioria, e a telemedicina também vai ter um custo. Pelo SUS não achei nenhuma plataforma para atestado remoto", explica o médico Rafael Mialski, que é membro da Associação Paranaense de Infectologia, e também atua no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR).