Indicações de remédios que visam prevenir ou tratar precocemente da Covid-19 são divulgadas sem evidências de benefício| Foto: Bigstock
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Se você recebeu, principalmente via redes sociais, a indicação de uso de medicamentos sob o pretexto de um "tratamento precoce" ou mesmo "profilático" da Covid-19, desconfie. Não há, até o momento, uma unanimidade científica sobre a eficácia de remédios para o tratamento do novo coronavírus. Apesar de vários médicos anunciarem resultados positivos com a aplicação precoce de um coquetel com cloroquina, a maior parte das entidades médicas não recomenda o uso, conforme especialistas ouvidos pelo Sempre Família. Entre os remédios mais citados nos chamados "kits de tratamento precoce" estão os já conhecidos:

  • Hidroxicloroquina/cloroquina;
  • Azitromicina,
  • Ivermectina.
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As medicações não demonstraram benefícios claros contra a Covid-19 nos resultados divulgados por enquanto, mas há ainda pesquisas em andamento. Dessa forma, não devem ser usadas sem orientação médica ou fora de um ambiente hospitalar.

Um dos maiores estudos sobre o assunto, o RECOVERY, coordenado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, avalia os efeitos para o novo coronavírus de uma série de medicações, como o corticoesteroide dexametasona, o uso de plasma convalescente, o imunomodulador tocilizumab e o antibiótico azitromicina. Já passaram pelo estudo a hidroxicloroquina, e os antirretrovirais lopinavir-ritonavir – ambos com resultados negativos.

No início de junho, os pesquisadores destacaram que, para pacientes internados com a Covid-19, não há benefícios clínicos em se usar a hidroxicloroquina. E, mesmo no início dos sintomas, não haveria essa indicação, de acordo com Reginaldo Oliveira Filho, médico clínico hospitalista do hospital São Vicente, em Curitiba, que atua na linha de frente do atendimento de pacientes na capital paranaense.

"A plausabilidade do uso da hidroxicloroquina existe. Ela demonstrou que evita a replicação do vírus em um modelo in vitro [em laboratório]. Quando o paciente está com sintomas, ele não está mais na fase de replicação do vírus, mas sim em uma fase inflamatória. O que tinha de reproduzir de vírus já reproduziu, então o uso da medicação nesse momento estaria errado", explica.

Isso justifica o uso "preventivo" da medicação, antes do contato com o vírus, ou mesmo em larga escala na população? De jeito nenhum, segundo Oliveira Filho, visto que há o risco conhecido para arritmias cardíacas associado ao remédio. Sem falar que a doença não apresenta sintomas graves na grande maioria das pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que não justificaria o uso de medicamentos além daqueles contra febre e mal estar.

"Ainda sobre o 'tratamento precoce', e que é bem complicado, é que a maioria das pessoas com doença leve vai evoluir para a cura, com ou sem medicamento. Então, se você estiver bem, você vai se recuperar por si só e não precisa de nada, mas a cura pode ficar enviesada e ser atribuída à medicação", explica Roberta De Santis Santiago, médica pneumologista, doutora em Ciências pela Pneumologia da Universidade de São Paulo, e fellowship em Pesquisa Clínica no Massachusetts General Hospital, na cidade de Boston, nos Estados Unidos.

"Kit" desnecessário

Criar um "kit" de medicamentos visando a prevenção ou o tratamento "precoce" para a Covid-19, portanto, não faz sentido. "Não existe nenhuma evidência que seja palpável para fazer um kit contra a Covid-19. Um estudo recente, uma revisão gigantesca, feita pela Sociedade norte-americana de doenças infecto-contagiosas, destaca que para pacientes que não estão internados não há necessidade de nenhum tratamento extra-hospitalar", reforça Oliveira Filho.

A Sociedade Brasileira de Infectologia também avaliou as principais medicações em estudos e os resultados apresentados até o momento. Em resumo:

  • Corticoides: entre pacientes com formas leves a moderadas da doença, não há benefícios. O uso da dexametasona pode ser benéfico entre pacientes graves, que precisam de oxigenação suplementar ou ventilação mecânica. Estudos mais completos ainda são necessários.
  • Antivirais: lopinavir e ritonavir não apresentaram benefícios para pacientes internados. O remdesivir parece reduzir o tempo de recuperação de pacientes moderados a graves.
  • Antiparasitários: tanto os estudos com a ivermectina quanto com a nitazoxanida ainda estão em fase laboratorial, in vitro. Faltam etapas em animais e em humanos para verificar a real ação dessas medicações contra a Covid-19.
  • Imunomodulador: o tocilizumab ainda está sob estudos, mas os resultados de pesquisas observacionais e estudos de casos têm se mostrado positivos. Faltam respostas de estudos mais completos, randomizados (participantes distribuídos de forma aleatória entre os grupos), com grupo controle – pessoas que não tomam a medicação, para servir de comparativo.
  • Anticoagulantes: entre pacientes que desenvolvem quadros de trombose, ou a formação de coágulos, a medicação pode ser indicada. O uso sem indicação clara, ou entre pacientes com formas menos graves da doença, não é aconselhado.
  • Hidroxicloroquina e cloroquina: não é indicado o uso entre pacientes hospitalizados. Também não é recomendado como profilaxia, ou preventivo. Ainda faltam estudos que demonstrem benefícios do uso no início da doença.
  • Antibiótico: com relação a um efeito anti-inflamatório ou imunomodulador do antibiótico azitromicina (em geral usado para tratamentos contra bactérias, e não vírus), o benefício ainda está por ser comprovado.

"Toda medicação tem um benefício que a gente espera e tem um efeito adverso. O problema é que o efeito adverso faz com que fique muito ruim a relação de risco e benefício, porque o benefício é duvidoso, e o risco é alto", resume Reginaldo Oliveira Filho, médico clínico hospitalista.

Interação medicamentosa

Medicamentos não são inócuos - eles têm efeitos benéficos, mas também adversos, que são avaliados antes de uma prescrição pelo médico.

A mesma lógica deve ser levada em consideração por quem está considerando tomar remédios, sem a indicação e acompanhamento de especialistas, na tentativa de proteger ou prevenir a Covid-19. E isso é especialmente destacado entre a população mais velha, que também está em maior risco para complicações da doença.

"A medida que envelhecemos, a interação medicamentosa, ou o risco de um medicamento interagir com outro, é sempre um problema. Isso porque os idosos, em geral, já tomam uma série de medicações e, quanto maior a quantidade de remédios, maiores os riscos de interações", explica a médica pneumologista Roberta De Santis Santiago.

A médica infectologista Marta Fragoso também alerta para outro ponto de atenção aos "kits" contra a Covid-19: a dosagem. "Cada medicamento tem uma dose adequada para o peso do paciente, principalmente o peso. Sem falar nas questões de risco. Se um paciente é cardíaco, com uma doença crônica cardiológica, há o risco no uso da cloroquina. Pacientes hepáticos [doenças no fígado], têm risco para todos, porque há risco na metabolização dos remédios", destaca.

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O que fazer, então?

Sem remédios, o que pode ser feito para combater ou prevenir a Covid-19?

  • Manter as medidas de distanciamento social;
  • Higienização adequada das mãos, seja lavando ou usando o álcool em gel;
  • Uso da máscara sempre que sair de casa;
  • Vigiar os sintomas e ficar atento para a evolução dos mesmos.

"Procurar ver se tem febre, mudança do olfato e paladar, dor abdominal, vigiar para a falta de ar. Esse seria o principal a ficar de olho. Ou se sentir dores no corpo muito fortes, dor torácica e febre persiste, então deve buscar ajuda médica. Mas, o mais importante, realmente, é a falta de ar", reforça a médica pneumologista.

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