Estudo britânico avaliou 43 pacientes com complicações neurológicas relacionadas à Covid-19| Foto: BigStock
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Neurologistas alertam para o surgimento de danos ao cérebro relacionados à Covid-19 que incluem inflamação cerebral, delírio e derrames. Um estudo, publicado por pesquisadores nesta quarta-feira (8), no periódico científico Brain, avaliou 43 pacientes internados em hospitais do University College London (UCL), no Reino Unido, com casos confirmados ou prováveis de Covid-19 entre abril e maio, e que sofreram distúrbios cerebrais temporários ou até danos neurológicos mais graves.

Entre os pacientes, com idades entre 16 e 85 anos, 29 tiveram resultado positivo para Covid-19 em testes de PCR, oito foram considerados casos prováveis e seis, casos possíveis da doença. Foram identificados 10 casos de uma condição chamada "encefalopatia transitória", uma disfunção temporária do cérebro que pode ter consequências sérias. Houve ainda 12 casos de inflamação cerebral, oito casos de derrame e oito de danos nos nervos, a maioria deles diagnosticados como síndrome de Guillain-Barré.

Nove entre os 12 casos observados de inflamação cerebral foram diagnosticados com encefalomielite disseminada aguda (EMDA), uma inflamação rara que pode ser causada por infecções virais e é tipicamente vista em crianças. Esses casos ficaram acima da média nos últimos meses; os pesquisadores do Instituto de Neurologia da UCL encontravam em média um caso desses por mês antes da pandemia e passaram a registrar pelo menos um por semana no período da pesquisa, em abril e maio.

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"Ainda não se sabe se veremos uma epidemia em larga escala de danos cerebrais relacionados à pandemia – talvez semelhante ao surto de encefalite letárgica nas décadas de 1920 e 1930 após a pandemia de influenza de 1918", disse Michael Zandi, pesquisador do Instituto de Neurologia da UCL e um dos coordenadores do estudo.

O vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, não foi detectado no líquido cefalorraquidiano (um fluido presente no cérebro) dos pacientes que foram testados, o que indica que o novo coronavírus não atacou diretamente o cérebro para causar esses problemas neurológicos.

Os pesquisadores encontraram evidências, em alguns dos pacientes, de que a inflamação cerebral foi provavelmente causada pela resposta imunológica do organismo. Ou seja, algumas dessas complicações podem não ser resultado da ação direta do vírus, mas sim dos mecanismos de defesa do corpo contra a doença.

As observações aumentam a preocupação com efeitos colaterais mais duradouros em quem se recupera de Covid-19, doença que tem causado problemas como cansaço, falta de ar e problemas de memória em alguns pacientes mesmo passado algum tempo da sua recuperação. Um dos casos descritos no artigo é de uma paciente de 55 anos sem histórico de doenças psiquiátricas que foi internada após 14 dias de febre e outros sintomas relacionados à Covid-19. Ela precisou de tratamento mínimo com oxigênio e foi liberada três dias depois.

No dia seguinte, ela estava confusa e com comportamento alterado, segundo relatou o seu marido. Ela estava desorientada e tirou e colocou o seu casaco repetidas vezes. Mais tarde ela relatou ter tido alucinações visuais, vendo leões e macacos em sua casa, e alucinações auditivas. A paciente voltou ao hospital e melhorou após tratamento com medicamentos antipsicóticos.

Casos de complicações neurológicas ligados à Covid-19 têm ocorrido em outras partes do mundo. Uma pesquisa de Universidade de Liverpool (Reino Unido), também publicada na quarta-feira, no periódico Lancet Neurology, revisou estudos do mundo todo que relatavam problemas como esses. O estudo descobriu que derrames, delírio e outras complicações neurológicas são relatados na maioria dos países que passaram por grandes surtos da doença.

A revisão de estudos publicados na China, Itália, Estados Unidos, entre outros países, localizou quase mil pacientes de Covid-19 com doenças cerebrais e nervosas associadas.

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Ações indiretas do vírus

No início da pandemia, neurologistas brasileiros já esperavam encontrar complicações como as relatadas nos estudos. "Outros vírus acometem o sistema nervoso, central ou periférico, com essa mesma natureza", disse o médico José Renato Felix Bauab, neurologista dos hospitais Sírio Libanês e HCor, em São Paulo.

Bauab ficou surpreso com o número de casos de acidente vascular cerebral (AVC) relatados em alguns países, especialmente na Itália, no artigo do Lancet Neurology. Um centro neurológico italiano relatou 43 casos de AVC entre 56 pacientes de Covid-19 internados nessa unidade especializada.

O neurologista brasileiro disse que não encontrou casos de AVC entre seus pacientes. As queixas mais comuns que ele recebe são relacionadas à perda de olfato ou de paladar. "Desde o início estávamos atentos à possibilidade de invasão do sistema nervoso. O único ponto do sistema nervoso que não tem o invólucro natural da meninge, uma proteção natural, é justamente a entrada pela via olfatória, pelo nariz", explicou Bauab.

O que ocorre com mais frequência, segundo Bauab, são as complicações secundárias, causadas pelo sistema imunológico ou pela inflamação vascular provocada pelo vírus. O SARS-CoV-2 tem potencial de causar inflamação no corpo todo, inclusive no sistema vascular, o que aumenta o risco de AVC ou isquemia - já que a inflamação "entope" os vasos, causando obstrução do fluxo sanguíneo e da oxigenação do cérebro.

A defesa imunológica, que é intensamente recrutada para combater a invasão do vírus, também pode acometer o cérebro e o sistema nervoso periférico. Esse acometimento imunológico pode bloquear os nervos das pernas e dos membros superiores. "O indivíduo às vezes sai do contexto mais grave até tetraplégico ou paraplégico. Mas felizmente tenho visto que esses pacientes se recuperam rápido", disse Bauab.

Além disso, as complicações neurológicas podem ser resultado da própria gravidade do quadro clínico do paciente, que passa por alterações pulmonares e queda de oxigênio, por exemplo. "O cérebro também sofre muito todas essas intempéries de modo secundário", explicou o neurologista.

Infecção no cérebro?

Embora o estudo britânico aponte para a resposta imunológica como causa dos problemas neurológicos em pacientes de Covid-19, essas descobertas não descartam a possibilidade de que o vírus infecte o sistema nervoso central. O Sars-CoV-2 parece ter a capacidade de infectar células do cérebro humano. Em abril, pesquisadores da Unicamp fizeram um experimento com cultura de células em laboratório e confirmaram a infecção e o aumento da carga viral em neurônios obtidos a partir de células-tronco e em linhagem cerebral humana.

Isso porque essas células que compõem o cérebro humano, os neurônios e astrócitos, possuem a proteína chamada ECA-2, que funciona como uma porta de entrada para o vírus. O novo coronavírus usa a proteína "spike", que forma os espinhos na sua superfície que lhe dão o aspecto de coroa, para se ligar a ECA-2 e assim entrar na células e se replicar no interior delas.

"A primeira conclusão que temos é que as células [cerebrais humanas] têm potencial de serem invadidas pelo vírus. Não há por que pensar que isso seria diferente in vivo, no cérebro dos pacientes", explicou Daniel Martins de Souza, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador da pesquisa. A equipe brasileira agora está comparando as alterações no proteoma (o conjunto de proteínas) dessas células, antes e depois da infecção pelo SARS-Cov-2, para procurar vias bioquímicas que possam se tornar potenciais alvos de novos tratamentos.

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Martins de Souza acredita que o estudo britânico chama a atenção para uma hipótese que os pesquisadores já têm discutido desde o início da pandemia, de que a Covid-19 não seja necessariamente uma doença respiratória, como vem sendo tratada pela medicina até o momento. "O vírus provavelmente é capaz de se instalar em outras regiões do organismo", diz, lembrando que, além dos sintomas neurológicos, os pacientes acometidos pela doença também apresentam sintomas gastrointestinais, entre outros. "Aparentemente em qualquer célula que tenha a porta de entrada para a qual o vírus tem a chave, a ECA-2, o vírus consegue chegar e gerar uma série de distúrbios".

No caso do sistema nervoso central, existe uma barreira que dificulta infecções por vírus e bactérias nos tecidos cerebrais, chamada de "barreira hematoencefálica". Existem duas hipóteses para explicar uma potencial capacidade do novo coronavírus infectar as células do cérebro, segundo Martins de Souza – que ressaltou que nenhuma delas ainda foi comprovada: o vírus seria capaz de quebrar essa barreira hematoencefálica, ou o vírus poderia chegar ao cérebro pelo nervo olfatório, no nariz. "Assim ele não precisaria passar por barreira nenhuma. Isso remete ao fato de que um dos primeiros sintomas apresentados por pacientes de Covid-19 é a perda de olfato", afirmou.

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