Depois de caírem, os dentes de leite costumam ir para a lata de lixo, para a caixa de lembranças da família ou para a fada do dente. Muitos pais, no entanto, têm optado por dar um destino diferente a eles, enviando-os para serem congelados e armazenados em clínicas de criogenia. A ideia é preservar as células-tronco presentes na parte interna do dente, chamada de polpa. Em outros países, essas células já são usadas na regeneração e reparação de tecidos dentais, como ocorre no tratamento de lábio leporino.
Mas não é só isso. A pesquisadora de aplicação de células-tronco na odontopediatria da Universidade de São Paulo (USP), Karla Rezende, explica que muitas possibilidades vêm sendo estudadas. “Essas células têm grande potencial de proliferação e já existem evidências de que o uso delas pode melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças degenerativas, como o Alzheimer e Mal de Parkinson. A expectativa é que dentro de dez anos, alguns tratamentos pioneiros já estejam disponíveis”, explica Karla, em publicação da revista Crescer.
Mais barato que congelar o cordão umbilical
Nelson Lizier, diretor científico do Centro de Criogenia Brasil, afirma que cerca de cem procedimentos do tipo são realizados por mês no laboratório. O serviço de congelamento da polpa dos dentes de leite, que começou a ser oferecido no país em 2013, custa em torno de R$ 2.600 e é preciso pagar uma taxa de manutenção anual de R$ 450.
A polpa fica congelada a -196ºC por tempo indeterminado. “Congelar as células da polpa, que têm características embrionárias, é um processo relativamente simples e sai mais barato do que fazer o mesmo com o cordão umbilical”, afirma Lizier à revista. Para congelar o cordão, paga-se cerca de R$ 3.300. Apesar de os dentes adultos também conterem esse tipo de células, elas estão presentes em menor quantidade e já estão envelhecidas. A ciência estima que também será possível utilizá-las para tratamentos, mas o procedimento será mais complicado do que o usado para células jovens.
Quem quer congelar a polpa do dente de leite deve primeiro entrar em contato com um centro de tecnologia autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quando o dente começar a ficar mole, a extração pode ser feita em casa ou por um dentista, mas é importante esterilizar bem o local. Depois de retirado, o dente deve ser colocado em um tubo e permanecer refrigerado até chegar ao laboratório, onde será mantido em nitrogênio líquido.
Doar
Os pais que escolhem congelar a polpa podem também doar o restante do dente para estudos. O professor José Carlos Imparato, coordenador do Banco de Dentes Humanos da Universidade de São Paulo, ressalta que essas doações são importantes para o treinamento de novos dentistas e para diversas pesquisas. “O dente é um órgão e a consciência que temos em relação ao seu descarte tem que mudar”, afirma Imparato. “Ao incentivar as crianças a doarem os dentes, além de contribuirmos para avanços da ciência, estamos mostrando às novas gerações a importância da doação de órgãos”, afirma.
Dentes com a polpa ainda presente, de adultos e até com cáries também são muito bem-vindos nos bancos. O único requisito é estarem conservados em soro fisiológico ou água destilada. Para quem tem interesse em doar, vale entrar em contato com a universidade pública mais próxima, onde costumam estar os bancos.
Atualização em 09 de maio de 2018:
Ressalvas
Apesar dos resultados positivos obtidos até agora, após a repercussão desta matéria, profissionais da área entraram em contato com o Sempre Família para alertar sobre as limitações da técnica, envolvendo a obtenção, cultivo e controle da proliferação e diferenciação, o que ainda exige aprofundamento de pesquisa para que o procedimento possa ser considerado exitoso e consolidado pela comunidade acadêmica. Um dos artigos científicos a apontar essas limitações é “Coleta e cultura de células-tronco obtidas da polpa de dentes decíduos: técnica e relato de caso clínico“, de Alan Araujo de Jesus.
Convém ressaltar também que o uso de células tronco no tratamento de doenças como o Alzheimer e o Parkinson ainda são hipotéticos e estão em fase de pesquisa.
(Contribuíram com essa atualização as estudantes de Odontologia Ana Laura Araújo, Marcella Ferrari e Sarah Barbosa, de Governador Valadares, Minas Gerais)
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