As mulheres gestantes fazem parte do grupo considerado de risco para a Covid-19. Mas na hora de pensar em se vacinar, é importante manter a precaução, visto que não há, ainda, estudos clínicos que incluíram grupos de gestantes nos testes dos imunizantes.
A decisão, porém, também precisa levar em consideração os riscos de mantê-la desprotegida – especialmente em uma comunidade em que o Sars-CoV-2 estiver em alta circulação.
Na última segunda-feira (18), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) divulgou uma recomendação sobre a questão. Em nota, a entidade sugere que, "para as gestantes e lactantes pertencentes ao grupo de risco, a vacinação poderá ser realizada após avaliação dos riscos e benefícios em decisão compartilhada entre a mulher e seu médico prescritor".
Nessa avaliação, os especialistas explicam que as mulheres precisam saber quais são os dados conhecidos de eficácia e de segurança das vacinas, bem como o que ainda não está disponível. A decisão deve considerar, ainda:
- O nível de potencial contaminação do vírus na comunidade;
- A potencial eficácia da vacina;
- O risco e a potencial gravidade da doença nas mulheres, inclusive os efeitos no feto e no recém-nascido;
- A segurança da vacina tanto para a mãe quanto para o bebê.
"O que acontece com relação à vacinação das gestantes é que os estudos de fase 3 realizados com as diversas vacinas não foram feitos em gestantes. É muito difícil e complicado fazer estudos clínicos em gestantes. A precaução nesse momento é porque não sabemos qual é o risco para essas pessoas, não temos esses dados", explica Ana Karolina Marinho, médica imunologista e alergista, membro do Departamento Científico de Imunizações da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Asbai), além de médica assistente no serviço de Imunologia e Alergia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e docente do curso de Medicina da Universidade Nove de Julho, em São Paulo.
Por que gestantes têm maior risco para Covid-19?
A transformação pela qual o organismo da mulher passa durante uma gestação é enorme e impacta, inclusive, o sistema imunológico. "Tem um mecanismo de tolerância para a gestante acomodar e acolher o bebê em desenvolvimento, e toda essa mudança no sistema imunológico acaba mudando a resposta das células diante de infecções", explica Marinho.
É importante lembrar que, embora o bebê seja gerado no organismo feminino, ele é composto por metade do material genético do pai – que não é reconhecido pelo corpo da mãe. Entretanto, há um esforço do sistema imunológico de não ver o bebê como um "corpo estranho", ao mesmo tempo em que causa algumas fragilidades ao organismo da gestante.
"Elas podem ter infecções mais graves pelo influenza [gripe], por exemplo. Em relação à Covid-19, vimos gestantes que se infectaram e tiveram partos prematuros, mais cesáreas, e existe o risco de desenvolver um quadro mais grave da doença, em alguns casos", reforça a médica, que completa: "com certeza as gestantes seriam um grupo prioritário para a vacinação. Mas, por falta de dados, elas não entram nesse grupo agora".
Isso não significa que as gestantes nunca poderão se vacinar contra a Covid-19. Uma vez demonstrada a segurança e eficácia para elas – e dependendo do tipo de vacina –, poderá haver uma campanha voltada a esse grupo.
"A medida que se comece a vacinação amplamente, que nós entendamos como as vacinas vão se comportar em um número grande de pessoas, tanto em relação à eficácia, mas também à segurança, em um segundo momento poderemos discutir a vacinação entre as gestantes", complementa Ana Karolina.
Tipos de vacinas para gestantes
As vacinas que hoje são liberadas para as gestantes, como as da influenza (gripe), hepatite B, dupla bacteriana do tipo adulto (contra difteria e tétano) e a tríplice bacteriana acelular do tipo adulto (contra difteria, tétano e coqueluche), são todas feitas a partir do vírus inativado, ou "morto", de acordo com informações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Por usarem um vírus inativado, não há a replicação do vírus no organismo e isso as torna mais seguras do que em relação a outros tipos. A vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo, usa da mesma estratégia: vírus inativado. No caso da vacina da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz, a abordagem é outra: vetor viral não replicante, com o uso de um outro vírus, o adenovírus (causador do resfriado em chimpanzés).
"[As vacinas genéticas e de adenovírus] podem ser usadas em pessoas com comprometimento do sistema imunológico porque não têm o vírus ativo ou atenuado. Só têm a proteína do vírus, e o fato de não terem esse vírus atenuado já é um grande passo para que a gente tenha um pouco mais de segurança. Mas são vacinas completamente novas, e precisamos de um tempo de observação maior", explica a médica.
Segundo Marinho, depois de um ano de vacinação, podemos esperar dados mais robustos, de milhões de doses aplicadas no país, por exemplo, para ter algumas respostas de como a vacina se comporta em grupos específicos, como as gestantes. Isso porque pode acontecer de alguma mulher ser vacinada sem saber que estava grávida.
De acordo com Geraldo Duarte, professor titular do departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e presidente da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo, falar em "total segurança" só é possível depois dos estudos clínicos.
"Considerando a gravidade da doença, considerando como a vacina é feita, com técnicas já conhecidas e sacramentadas, a gente pode arriscar a liberar para a paciente, desde que ela seja devidamente orientada. No Hospital das Clínicas de Ribeirão, testamos quatro vacinas. Algumas que se vacinaram estavam grávidas e não sabiam. A evolução delas tem sido normal. Mas, claro, isso não é suficiente [para liberar a vacinação em todas as gestantes]", explica.