Ser encaminhado para casa após receber o diagnóstico de Covid-19, em meio ao pico de mortes pela doença no Brasil, de início pode causar alívio, mas não é capaz de reduzir a aflição nos dias seguintes – tanto do paciente quanto da família.
Siga o Sempre Família no Instagram!
Quando os sintomas da doença são leves, mesmo que haja mal-estar, o preconizado tem sido evitar procurar os hospitais, que estão lotados. Mas, conforme os sintomas evoluam, recomenda-se consultar um médico e seguir a prescrição recomendada por ele, principalmente se houver indícios de insuficiência respiratória (veja os sinais abaixo).
Nos quadros leves ou moderados, então, o que pode ser feito em casa pelo paciente e familiar? Dormir de bruços, fazer medições recorrentes com o oxímetro e até mesmo adquirir cilindros de oxigênio são algumas medidas que têm sido consideradas em meio a um cenário de crescente preocupação. Porém, alguma delas tem real validade ou podem piorar o quadro do doente em casos de agravamento?
Pronar: dormir de bruços
Uma técnica hospitalar que se popularizou na pandemia foi a pronação, ou virar a pessoa de bruços, com a barriga para baixo, de forma a aliviar o pulmão e facilitar a respiração. A princípio, é uma estratégia usada somente em pacientes internados, mas pode ser feita em casa, em pessoas com sintomas leves e sem sinais de alerta, caso sinta maior conforto desse modo, explica o médico intensivista Rafael Deucher, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná.
"O que não pode acontecer é a pessoa insistir em ficar nessa posição se já tiver sinais de alerta, como uma frequência respiratória muito elevada, sensação de falta de ar e febre persistente. Se tiver com esses outros sintomas, não adianta ficar de bruços porque, provavelmente, o paciente já necessita de oxigênio no hospital", alerta.
Há também critérios clínicos e exames que vão indicar quando a técnica pode ser benéfica, de acordo com o médico pneumologista José Tadeu Colares Monteiro, coordenador da Comissão Científica de Infecções Respiratórias da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
"A pronação espontânea, em enfermarias ou domicílio, pode ser feita, mas não temos ainda resultados de evidências clínicas robustas relacionando isso a uma melhora. É preciso lembrar que só isso não é suficiente para casos de Covid-19 grave", diz o especialista, que também é professor da Universidade Federal do Pará.
Uso do oxímetro
O oxímetro de pulso tem uma indicação possível de uso, desde que o paciente saiba fazer a leitura adequada do aparelho. Por verificar a quantidade de oxigênio circulando na corrente sanguínea do paciente, pode ser usado por pacientes com quadros leves e moderados como acompanhamento, auxiliando caso a doença se agrave.
"Se o paciente tiver discernimento de como usá-lo, se algum profissional da saúde tiver explicado a ele ou a um familiar como o aparelho funciona, e se tiver o aparelho em casa, eu o vejo como uma espécie de termômetro, que vai indicar mais um sinal", explica Deucher.
Mais informações sobre o oxímetro, como usá-lo e quais sinais indicam piora e a necessidade de procurar atendimento médico estão detalhadas nesta reportagem.
Oxigênio em casa
O uso domiciliar do oxigênio (em cilindro ou em concentradores), para combater a falta de ar característica da doença, tem sido uma medida extrema em alguns lugares do país, derivada do colapso do serviço de saúde na pandemia.
Embora o uso do equipamento seja algo comum por pessoas com condições respiratórias crônicas, como os pacientes com a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), essa não é uma estratégia indicada para uma doença aguda, tal qual a Covid-19.
"Quando o paciente chega em uma pneumonia viral pelo coronavírus com necessidade de oxigênio, a doença já é grave para gravíssima, e ele precisa ser monitorado em um quarto, enfermaria ou leito de UTI. Um profissional da saúde vai avaliar a necessidade do oxigênio, mas o local mais adequado para isso não é a casa", explica o intensivista Rafael Deucher.
A indicação da oxigenioterapia fora do ambiente hospitalar poderia ser feita em situações específicas, segundo o especialista, como no caso de um paciente localizado em uma cidade sem acesso ao cuidado médico que precisa se deslocar a outro município.
"O paciente pode ter uma consulta por telemedicina e, se o médico perceber que está com muita falta de ar, e se tiver o oxigênio disponível, pode explicar como usá-lo para ir respirando até chegar ao hospital. Mas isso seria uma terapia de emergência", detalha.
O médico pneumologista José Tadeu Colares Monteiro concorda que o uso domiciliar de oxigênio não é o mais adequado, mas tem sido uma realidade em cenários de colapso.
"Se a saturação cair e o paciente começar a ficar muito cansado, se a tomografia mostrar um comprometimento acima de 25% e ele precisar de oxigênio, ele precisa estar dentro do hospital. Infelizmente, no cenário que estamos vendo de colapso, esse paciente pode acabar indo para casa", lamenta o especialista.
O risco do oxigênio em casa, segundo Monteiro, está no uso inadequado do gás que, caso seja inalado em quantidade acima da necessária, pode gerar intoxicação. "O oxigênio precisa ser titulado de forma correta, para que não seja ministrado nem menos, nem mais que o necessário. Não é só pegar o balão de oxigênio e levar para casa. Existem alguns cuidados que as famílias precisam ter, até para evitar uma explosão", alerta o pneumologista.
O especialista destaca ainda que, em geral, o paciente com necessidade dessa terapia também demanda outros cuidados médicos. "Vai precisar receber corticoides, anticoagulantes e, se tiver infecção bacteriana, antibióticos que muitas vezes precisam ser injetáveis", explica Monteiro.
Atrasar ida a hospital aumenta gravidade da Covid-19
Em fevereiro, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira divulgou um alerta sobre o aumento do número de pacientes que buscam atendimento médico com sintomas avançados de insuficiência respiratória. Isso porque, com medo de buscarem ajuda médica, acabam adotando estratégias inadequadas, como o uso do oxigênio em casa, que deveria ser feito apenas dentro dos hospitais.
"A única forma segura e eficiente de conduzir pacientes acometidos por Covid-19 e com sinais de insuficiência respiratória é por meio da internação hospitalar e, assim, poder lançar mão precocemente da utilização de técnicas de suporte respiratórias invasivas e não invasivas conforme o caso", segundo nota publicada no site da entidade.
Porém, muitas pessoas têm, por medo da internação, evitado ir aos hospitais e tentado tratar em casa. Isso porque, segundo o médico intensivista Rafael Deucher, muitos se confundem sobre o tratamento.
"Há quem ache que as mortes nas UTIs estão relacionadas diretamente à intubação, mas não é isso. A doença é grave e, por isso, a pessoa precisa da ventilação mecânica: dos pacientes intubados, 50% acabam morrendo, mas não é a ventilação que promove a morte. Ela salva 50%. Se ela não existisse, 100% das pessoas com insuficiência respiratória aguda morreriam. O raciocínio correto é esse e não a confusão que leva as pessoas a atrasarem a busca pelo atendimento", diz ele.
"As pessoas precisam ter em mente que a Covid-19 aguda é como se fosse um infarto agudo, uma infecção abdominal aguda, que precisa de intervenção rápida, nesses casos a cirurgia. Você não consegue resolver isso em casa", explica.
Quando buscar ajuda?
A lotação dos hospitais assusta, mas fato é que se tiver diagnóstico da Covid-19 e estiver com sintomas que indicam uma insuficiência respiratória, é essencial que se busque por atendimento médico.
Dos sinais mais associados à insuficiência respiratória, os especialistas ouvidos pelo Sempre Família destacam:
- Frequência respiratória acelerada: quando a doença compromete o pulmão, o paciente tende a aumentar a quantidade de vezes que inspira e expira para acima de 25 vezes por minuto, além da sensação de falta de ar. O padrão da Covid-19 é de 32 vezes/minuto. Leia mais sobre o comprometimento do pulmão.
- Saturação reduzida: pessoas saudáveis normalmente têm uma saturação do oxigênio acima de 95%. Entre os pacientes da Covid-19, dependendo da idade, se esse valor reduzir, é sinal de alerta. Leia mais sobre como medir a oxigenação e o que fazer.
- Alteração do nível de consciência.
- Quadros de infecções secundárias, inclusive bacterianas.
- Febre persistente.
- Quadro de desidratação.