A discussão sobre o retorno dos alunos às escolas gera muitas dúvidas, principalmente sobre quem estaria habilitado, ou não, a voltar.
As crianças e adolescentes não são as principais vítimas da Covid-19, mesmo podendo desenvolver, em raros casos, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), uma grave condição que atingiu, até o fim de agosto, 197 indivíduos no país.
Mas em relação à condição de saúde de base, quem deveria evitar voltar às aulas tão logo sejam liberadas, sem que ainda tenhamos a desejada vacina? No fim deste texto você confere um infográfico com doenças que podem agravar quadros de Covid-19 em crianças e adolescentes, elaborado com informações da Sociedade Paranense de Pediatria a partir de dados de diversas outras sociedades médicas.
Segundo o médico infectologista pediátrico Victor Costa Junior, vice-presidente da Sociedade Paranaense de Pediatria e que trabalha no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, crianças que têm doença de base não deve voltar no primeiro momento. “Até porque não se sabe como será o retorno do ponto de vista epidemiológico do vírus”, diz.
Mais doenças, mais risco
No mês de agosto, um artigo publicado por pesquisadores do Instituto D’Or no Jornal de Pediatria afirmava que crianças que apresentam comorbidades têm cinco vezes mais chances de desenvolver maiores complicações da doença. Porém, as doenças não seriam equivalentes às comorbidades pré-existentes que conferem maior risco aos adultos, como cardiopatias, diabete e doença renal, mas sim doenças neurológicas e respiratórias crônicas. “São quadros neurológicos crônicos – como as encefalopatias crônicas não evolutivas conhecidas como “paralisia cerebral”, as doenças respiratórias crônicas, como fibrose cística e asma grave, os pacientes com câncer, com cardiopatias congênitas e desnutrição”, diz a médica infectologista pediátrica Camila Arfelli Cabrera, professora da Escola de Medicina da PUCPR Campus Londrina.
Ela aponta que o que chamou atenção neste estudo foi que obesidade e diabete não foram comorbidades frequentes reportadas em casos graves de Covid-19 em crianças e adolescentes. “Nesa faixa etária, quadros neurológicos crônicos, doenças pulmonares de base, imunossupressão e desnutrição são condições que predispõem a um envolvimento pulmonar grave em doenças infecciosas”, diz ela.
As doenças neurológicas vinculadas ao Covid-19 comumente envolve paralisia cerebral, como também afirma Costa Junior. São crianças que geralmente apresentam muita secreção pulmonar e que, por este motivo, os pais acabam reativizando, adiando o diagnóstico da Covid-19. “Essa secreção pode ser já uma infecção pelo novo coronavírus e a demora no diagnóstico é um fator agravante da doença”, afirma ele.
Asma protetora
No caso de infecções respiratórias crônicas em pediatria, a mais comum é a asma. Porém, diz Costa Junior, estudos têm mostrado que a doença acaba sendo fator protetivo para a Covid-19. “É provável que uma criança asmática em tratamento até não a pegue porque a doença não encontra receptores favoráveis para infecção no pulmão desse indivíduo. Mas para quem nunca teve a asma e teve o primeiro episódio agora, esse sim poderia ter a infecção pela nova doença”, diz.
Se as comorbidades mais encontradas em óbitos em adultos pelo Covid-19 têm sido as cardiopatias, diabete e doença renal, essas doenças, quando em crianças, poderiam também predispor a casos mais graves? Para Camila, os dados sobre isso ainda são limitados. “Lactentes abaixo de um ano de idade e crianças com doenças pulmonares crônicas (incluindo asma moderada à grave), doenças cardiovasculares (incluindo cardiopatia congênita), quadros oncológicos, imunossupressão e obesidade parecem levar a um risco aumentado de doença grave na Covid-19”, diz ela.
Mesmo em uma criança, segundo Costa Junior, a gravidade decorrente da Covid-19 pode resultar da descompensação da doença de base pelo aparecimento do quadro infeccioso. “Uma criança cardiopata, diabética ou com doença renal pode ter descompensada essa comorbidade caso contraia a noca doença", diz ele.
A médica infectologista pediátrica Camila Cabrera afirma que os pais deveam ter maior atenção e pesar cada situação clínica em um provável retorno às aulas caso o filho tenha, principalmente, encefalopatias crônicas, doenças pulmonares (como formas moderadas e grave de asma e fibrose cística), quadros oncológicos, patologias renais crônicas, hepatopatias, cardiopatas congênitas, obesidade, diabete, doenças imunossupressoras de base ou que use terapia medicamentosa que predisponha à imunossupressão.
Alerta para a obesidade
Entre as doenças que podem agravar quadros da Covid-19 em crianças e adolescentes, a obesidade parece ser a mais evitável. “A obesidade infanto-juvenil avança no Brasil e está associada a doenças cardiovasculares nas primeiras décadas da vida, à resistência insulínica, ao aumento da predisposição ao diabete tipo 2, da dislipidemia e dos níveis pressóricos já na infância”, diz Camila.
A criança obesa tem um processo inflamatório no organismo muito maior do que uma não obesa. Por este motivo é que ela tende mais a complicar qualquer tipo de doença, entre elas quadros infecciosos leves, moderados a graves e infecções sistêmicas bacterianas ou virais, como na Covid-19. “Quando entram em insuficiência respiratória, elas são mais difíceis de serem ventiladas”, explica Costa Junior.
Além da obesidade, outras doenças infantis comumente mal controladas também aumentam o potencial risco de agravamento da doença como desnutrição e asma grave sem tratamento específico, condições comuns na população pediátricas, cita Camila.
Olhar para casa
Além das condições da criança, pais devem ficar atentos se têm em casa familiares na faixa etária de risco, acima dos 60 anos de idade, ou que tenham doença renal (como transplantados), doença cardíaca de difícil controle ou que sejam diabéticos. “Essa criança contactante de grupo de risco não deveria voltar às atividades escolares em um primeiro momento, até porque é preciso sentir se um retorno não será um gatilho por uma nova onda da Covid-19”, diz Costa Junior.
Síndrome em saudáveis
Em relação à síndrome citada no começo do texto, em agosto a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou uma nota apontando que crianças e adolescentes que manifestam a SIM-P “são habitualmente saudáveis, mas podem apresentar alguma doença crônica preexistente, particularmente doenças imunossupressoras", disseram os especialistas no documento. “As doenças imunossupressoras da infância são, basicamente, as vinculadas a doenças cardíacas, neurológicas, reumatológicas e onco-hematológicas”, diz Costa Junior, afirmando que pacientes transplantados e que têm diabete, por exemplo, podem também apresentar algum grau de imunossupressão. “A predisposição à SIM-P ocorreria pelo uso de medicação, que reduz a imunidade delas e as deixa mais propensas a complicações pelo novo coronavírus”, alerta.
Uma das causas dessa fragilidade é que essa doença é multissistêmica e envolve pelo menos dois órgãos e sistemas, tais como: cardíaco, renal, respiratório, hematológico, gastrointestinal, dermatológico ou neurológico, como explica a médica infectologista pediátrica Camila Arfelli Cabrera, professora da Escola de Medicina da PUCPR Campus Londrina. “Neoplasias, doenças autoimunes, imunodeficiências primárias ou o uso de medicamentos imunossupressores como corticoides, quimioterápicos e alguns medicamentos usados no tratamento de doenças reumatológicas são algumas das condições imunossupressoras por doenças de base ou terapias associadas a maior gravidade no caso de doenças infectocontagiosas”, diz ela.