Desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, no dia 26 de fevereiro, 23 mil pessoas foram contaminadas pela doença e mais de 1,3 mil acabaram morrendo pela condição no país, até meados de abril. Ontem, durante coletiva de imprensa, pela primeira vez o Ministério da Saúde divulgou o número de recuperados da doença: 14.026. Os dados foram contabilizados até o dia 4 de março.
O Sempre Família ouviu alguns relatos de pessoas recuperadas. Entre elas, há diferenças nos sintomas, tratamentos que receberam e mesmo com relação ao período de recuperação. Uma coisa em comum, no entanto, é possível perceber no discurso de todos: todos querem evitar passar por isso novamente.
"Eu queria morrer"
"Eu achei que ele fosse morrer". Esse foi o primeiro pensamento de Caroline Fátima dos Santos, estudante, quando viu seu pai, João Mariano, ser internado pela Covid-19. "Ele ficou super abalado quando o teste deu positivo, perdeu a esperança", conta.
João Mariano é aposentado, tem 77 anos e, pela idade, faz parte do grupo de risco da doença que causou uma pandemia mundial. De posicionamento forte, João vinha mantendo a rotina usual, saindo cedo de casa até o município de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, no Paraná, onde possui algumas casas para locação. Até que um dia, não conseguiu mais.
Os sintomas que teve foram diferentes dos que são mais amplamente divulgados. Ao invés de febre, falta de ar e tosse, João teve falta de apetite e fraqueza. Ele também apresentou uma tosse crônica, que estava sendo investigada, mas que até aquele momento não tinha piorado. Somente quando chegou ao hospital, com a piora na tosse, uma tomografia da região do peitoral foi feita. O resultado foi a suspeita de Covid-19, por apresentar manchas brancas nos pulmões.
"Eu fui para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Estava caidinho lá e foi passando. Quando falaram que eu estava com problema do vírus, se eu pudesse, tinha pedido para Deus que queria morrer", desabafa João. Ele ficou na UTI do dia 23 de março até o dia 27, e depois, no quarto do hospital até o dia 8 de abril, quando recebeu alta.
Durante todo esse período, não pode ver a família, mesmo com direito a acompanhante por causa da idade. O risco de transmissão da doença era muito alto. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Infectologia, estima-se que uma pessoa com a Covid-19 possa transmiti-la a até outras três pessoas. Em comparação, no caso da H1N1, a transmissão acontece a até 1,5 pessoa.
O jeito que João teve de matar as saudades foi por meio de chamadas de vídeo. "Eu não tenho prática no celular, mas a enfermeira perguntou se eu não queria fazer a vídeo chamada, e então a gente fez”, relata.
A luta e o carisma de João conquistou a equipe do Hospital Pilar, onde ficou internado por 16 dias. Ainda sendo um dos primeiros caso atendidos do novo coronavírus pelo hospital, a alta foi marcada por uma grande emoção. "O primeiro com Covid-19 a receber alta da UTI. Não é uma situação comum. A intensidade de aprendizado, treinamento e preparo tem sido muito grande. Todos os pacientes são especiais para nós, mas o senhor João realmente conquistou a equipe com a sua gentileza", declara a médica intensivista do hospital, Elisa Bana.
A despedida contou com violão e violino em um corredor que "deveria ter umas 60 e poucas pessoas", de acordo João. "Eu não merecia uma festa desse tipo. Fui homenageado, deu tudo certo, e eu cheguei no final da história. Fiquei emocionado, chorei muito, foi uma saída de emoção", relata com a voz mole. Mas não foi só ele que ficou emocionado. "Dá pra ver que estou com a voz embargada, não é? Foi um dia intenso, e poder comemorar essa vitória foi um presente", conta Elisa, quem fala com João no vídeo (confira abaixo). O vídeo teve grande repercussão na internet e até na televisão.
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"É como ter uma fita crepe no nariz com um furo no meio"
O DJ e produtor de eventos, Felipe Phelps, de 20 anos, mora em Curitiba, no Paraná, mas estava em Itajaí, Santa Catarina, quando precisou de atendimento hospitalar por suspeita da Covid-19. Até então, os sintomas que vinha apresentando pouco indicavam a possibilidade da doença, o que deixava Felipe mais despreocupado.
"Eu tive dor de cabeça e febre. Foram uns cinco ou seis episódios de dor de cabeça e uns dois de febre alta, mas alternado. Quando tinha um, não tinha o outro", lembra Phelps. A situação mudou quando o jovem começou a apresentar, junto aos outros sinais, a falta de ar, ainda que leve. "A falta de ar foi gradativa, mas como sou tabagista, estava crente que era por conta do cigarro. Eu evitei muito ir ao hospital para não pegar a doença caso o que eu tivesse não fosse ela já. Parei de fumar em uma segunda-feira e, depois de uma semana sem resultado, tive que ir ao atendimento", relembra.
Dos três sintomas vividos pelo jovem, a falta de ar foi o pior. "É como ter uma fita crepe colada no nariz com um furo no meio", descreve Phelps. No primeiro atendimento, foi receitado uma bombinha respiratória, que não resolveu. Ao retornar no dia seguinte, diante de uma imensa dificuldade – "pensei em chamar uma ambulância, não sabia nem se ia aguentar dirigir até o hospital" – uma tomografia do peito de Felipe foi realizada.
O resultado indicou a suspeita da Covid-19, pelas manchas brancas nos pulmões. "Eles compararam o resultado do meu raio-X com outros 15 que já haviam dado positivo para o coronavírus e então fui isolado", esclarece. Na hora, Felipe admite ter ficado surpreso, por não desconfiar da possibilidade de ter contraído o coronavírus. "O mundo inteiro está falando disso. Achei que ninguém que eu conhecia iria pegar e eu acabei pegando", relata.
Depois de isolado e feito o exame, Felipe teve a confirmação da doença. No primeiro dia, recebeu oxigênio para auxiliar a respirar, depois medicamentos antibióticos para eliminar a contaminação por bactérias e ficou em observação durante cerca de cinco dias, até que foi liberado. O cálculo dos médicos foi que a contaminação de Felipe havia acontecido 10 dias antes da entrada no hospital.
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"Eu estava seguindo a quarentena para não pegar o vírus. Como moro sozinho, acho que não contaminei ninguém. No hospital, avisei meus amigos que eu tinha visto recentemente. Depois, divulguei a notícia no meu Instagram e fiz de uma maneira geral o aviso", comenta o produtor. Atualmente, segue em quarentena, mas no período final. Médicos ligam a cada dois dias e o pai auxilia com as compras do mercado.
"Eu estou me sentindo 100%. Não tive mais dor de cabeça e tive um pouco de falta de ar, mas nem se compara com [o que tive] antes", finaliza.
"Eu senti que puxava o ar e parecia que não preenchia os pulmões"
Pode até ser uma crença de azar, mas foi em uma sexta-feira 13 que Karina Taques, de 39 anos, deu início à batalha contra o novo coronavírus.
Todos os sábados, a estilista e professora de moda, viajava ao Rio de Janeiro para as aulas de especialização. No fim de semana do dia 13 de março, Karina teve os primeiros sintomas e pediu o cancelamento da aula no dia seguinte. Nos dois dias seguintes, a estilista ficou na cama, com tosse seca, dor no corpo e no peito.
Na segunda-feira (16), foi ao hospital e para isso deixou a filha de seis anos, Maria Clara, com os avós. Na primeira consulta, apenas alguns remédios pontuais foram indicados. A situação, porém, só foi piorando.
"Na minha cabeça, eu não estava com o coronavírus. Quinta-feira (19) de manhã tive muita falta de ar. Eu estava ofegante, estava com arritmia cardíaca", relata. "Eu senti que puxava o ar e parecia que não preenchia os pulmões".
No retorno ao hospital, foram feitos exames e uma procura melhor dos sintomas. "Tiraram sangue da artéria, e o resultado mostrou que meu pulmão estava alterado. Fiz o raio-X do pulmão e estava cheio de manchas brancas", relembra Karina. Ela ficou no hospital aquela noite, e não quis utilizar o oxigênio.
"Veio uma médica no dia seguinte que não sabia o que eu tinha. Ela saiu e retornou depois, aí sim com máscara e outros EPIs, e ainda me disse 'fique dois metros longe de mim'", conta.
Nesse momento, Karina ainda não tinha o diagnóstico da doença. "A médica me disse que o teste [da Covid-19], seguia o decreto do Governo do Paraná e era só para quem estivesse entubado. Como eu não havia sido entubada, não faria o teste", explica. "Ela ainda me disse: 'quem você contaminou, já contaminou' e, mandou eu ficar em casa e foi isso". Outras três pessoas que estiveram em contato com Karina apresentaram os sintomas.
Depois da alta do hospital, foram mais dias de cama. "Não tinha forças para nada", relata. Além do combate à doença, Karina precisava lidar com a dor de se afastar da filha, de quem ficou longe por 15 dias. "Fiquei super preocupada com os meus pais porque tiveram contato comigo. Eu ficava o dia todo ligando por vídeo, para falar com ela e saber como eles estavam. Criamos uma rotina de brincadeiras juntas, que deu uma aliviada nas saudades", desabafa.
Ainda existe uma dor no peito, e o cansaço ainda vem melhorando. No reencontro com Maria Clara, ao buscar ela no estacionamento de seu prédio e retornar para o apartamento, sentiu como se ainda precisasse descansar. "Para mim, a sensação de correr 10 km foi a mesma de descer na garagem e pegar minha filha", relata. A professora de moda, assim como os outros relatados, ainda está na fase final de recuperação.