Faz pouco mais de cinco meses que o novo coronavírus está circulando pelo mundo e os especialistas não sabem exatamente todos os danos que ele é capaz de causar ao corpo humano. Especula-se que o coração possa ser afetado, assim como os rins, além do risco de a pessoa desenvolver sequelas no pulmão. Mais recentemente, estudos indicaram que os neurologistas também devem ficar atentos às consequências da doença.
Pesquisadores de diferentes universidades da China foram um dos primeiros a analisar dados de pacientes com o diagnóstico da Covid-19 e possíveis danos neurológicos. Das 214 pessoas avaliadas nesse estudo, 36.4% mostraram sintomas como dores de cabeça, tontura, ataxia (perda de controle muscular) e dores musculares. Essa característica era mais presente entre aqueles que desenvolveram quadros graves da Covid-19, e dentre os sinais mais comuns nesse caso estavam doenças cerebrovasculares agudas, como AVC, perda de consciência e lesões músculo-esqueléticas.
Há duas formas que o novo coronavírus pode atuar contra o sistema nervoso, de acordo com Gustavo Franklin, médico neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). Uma delas é pela infecção do vírus no próprio cérebro. A segunda é por meio da chamada "tempestade inflamatória" que a infecção viral tende a causar entre pacientes mais graves.
Essa "tempestade" se caracteriza pela produção exacerbada de enzimas chamadas de citocinas. Produzidas pelo sistema imunológico, as citocinas têm por função instigar a resposta inflamatória frente ao corpo estranho, no caso o vírus. Como há uma produção imensa dessas substâncias inflamatórias, elas podem atingir não apenas o local da infecção, como o pulmão, mas outras áreas, inclusive o cérebro.
A resposta exacerbada do sistema imunológico não é uma reação exclusiva contra o novo coronavírus, conforme explica Franklin. "Como qualquer vírus respiratório, podemos esperar sintomas sistêmicos. São dores de cabeça, tontura, problemas de níveis de consciência", detalha.
Casos reais
Nos Estados Unidos, dois casos chamaram atenção dos médicos pelos problemas neurológicos associados à Covid-19. O primeiro foi um homem, de 74 anos, que havia chegado recentemente da Holanda e buscou ajuda médica por apresentar sintomas como febre e tosse. Exames de laboratório e tomografia da região peitoral não mostraram, a princípio, nenhum indício do coronavírus.
No entanto, quando o paciente voltou, 24 horas depois, havia uma piora nos sintomas iniciais, além de novos como dor de cabeça, nível de consciência alterado e convulsões. Só então recebeu o diagnóstico para a Covid-19.
O segundo caso é de uma mulher de 58 anos, que apresentou febre e tosse, e estado mental alterado por três dias. Ao ser internada, recebeu o diagnóstico para a Covid-19.
A partir da realização de exames de imagens do cérebro, foi constatada uma reação rara, mas que pode acontecer em infecções virais: a encefalopatia hemorrágica necrotizante aguda. A condição ocorre quando há uma ruptura da barreira hemato-encefálica (estrutura que protege o cérebro, e o restante do Sistema Nervoso Central de substâncias que possam ser tóxicas), resultante da "tempestade inflamatória".
Danos da Covid-19 em estudos
Por enquanto não é possível indicar uma relação de causa e efeito entre esses cenários e o novo coronavírus. Mas médicos da área devem ficar atentos para possíveis complicações neurológicas, embora devam ocorrer em poucos casos.
"Eu não espero complicações neurológicas em um paciente com quadro respiratório leve. Espero no paciente que esteja com um quadro de moderado a grave da Covid-19. Cerca de 5% dos pacientes graves evoluem a casos como Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou uma trombose venosa", avalia Franklin.
De acordo com o especialista, as complicações neurológicas mais graves causadas pela Covid-19 são de ação trombogênica, que pode levar também ao AVC. "Para os pacientes que estão internados deve-se observar a questão neurológica, principalmente complicações cerebrovasculares, o AVC, a trombose venosa cerebral. Pode ser um fator complicador, e consequentemente um motivo de óbito para quem está internado. Mas sempre o motivo pulmonar vai ser o grande problema".
Entre quem não está internado ou com sintomas, a recomendação para a procura médica é a mesma para dores de cabeça em geral. "Deve buscar um auxílio médico se a pessoa tiver cefaleia persistente, dor de cabeça que acorda o paciente no meio da noite, ou a dor refratária que não cessa com os analgésicos comuns. Essas são orientações para qualquer pessoa, mas também para a Covid-19", completa o neurologista.