Uma alteração ou confusão do sistema imunológico pode agredir o trato gastrointestinal e desencadear doenças inflamatórias intestinais (DII), que são tipos de doenças autoimunes, como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
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Essas doenças têm aumentado, no Brasil e em todo o mundo, em incidência e prevalência. Em alguns países desenvolvidos pode chegar até 1% da população. “No Brasil, a prevalência das doenças inflamatórias intestinais chega a 100 casos para cada 100 mil habitantes no sistema público, sendo a maior concentração nas regiões Sudeste e Sul”, alerta Dr. Paulo Gustavo Kotze, membro titular da Sociedade Brasileira de coloproctologia, professor da PUCPR e um dos autores do estudo que analisou as taxas de incidência e prevalência de DII no Brasil, de 2012 a 2020, tendo como base dados provenientes do DataSUS.
Muitos fatores estão envolvidos no aumento de casos, mas, segundo Kotze, acredita-se que o estilo de vida moderno, com dieta baseada em alimentos industrializados e menor ingesta de produtos naturais não processados, possa ser a principal. Além disso, os diagnósticos estão melhores e mais precisos, contribuindo para um aumento no número de casos registrados, acrescenta o médico.
Mas o que são as doenças inflamatórias intestinais?
Doença inflamatória intestinal é um termo amplo, empregado para designar a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, caracterizadas pela inflamação crônica do intestino.
Kotze explica que as DII são caracterizadas pela inflamação de diferentes segmentos do intestino delgado e grosso, podendo igualmente causar sintomas fora do intestino, como dores nas articulações, inflamações na pele e nos olhos. Enquanto a doença de Crohn acomete jovens entre os 20 e 30 anos de idade, a retocolite ulcerativa apresenta dois picos de incidência: entre 30 e 40 e entre 55 e 70 anos de idade.
Diarreia crônica, com presença de sangue e muco ou pus frequentes e recorrentes, flatulência, urgência evacuatória, falta de apetite, fadiga e emagrecimento, anemia e desnutrição são alguns dos sintomas apresentados.
Além disso, os casos mais graves podem ser acompanhados de anemia, febre, desnutrição e distensão abdominal, inclusive com manifestações extra intestinais, como dor nas articulações e na coluna, lesões avermelhadas na pele e problemas oculares, destaca Walter Sobrado, ex-presidente e membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia e professor livre docente do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP.
Ambas são doenças crônicas e prejudicam significativamente a qualidade de vida do paciente, já que podem trazer complicações em médio e longo prazo, como anemia e desnutrição. Porém, quando confirmado o diagnóstico de forma precoce, permitem um tratamento mais efetivo, possibilitando uma melhora na qualidade de vida.
Causas e predisposições
Além do aumento progressivo da incidência e da prevalência em muitas regiões do mundo e do Brasil, Sobrado explica que as doenças inflamatórias intestinais são particularmente desafiadoras por não terem causa totalmente comprovada. “Algumas teorias incluem fatores genéticos, defeitos no sistema imunológico, fatores ambientais e alteração da flora intestinal”, exemplifica o professor.
Além de desses fatores, muitas pessoas têm predisposição quando há membros da família que já possuem uma das doenças inflamatórias intestinais. Segundo Kotze, mais de 200 genes foram estudados e podem estar ligados a essas doenças.
Uma dieta inflamatória, rica em alimentos industrializados, açúcar e álcool, somados ao estilo de vida atual, no qual o stress e sedentarismo são elevados, pode desencadear a alteração no sistema imune do indivíduo, principalmente em pessoas que já possuam uma pré-disposição genética para DII, explica Luana Martins, nutricionista especialista em microbiota intestinal.
Somado ao histórico familiar e à má-alimentação, Sobrado alerta que os transtornos depressivos podem ser “gatilho” para o desenvolvimento da doença, inclusive o tabagismo, para doença de Crohn.
Sinais de alerta e diagnóstico precoce
Diarreia com sangue persistente por mais de 30 dias, cólicas abdominais, fraqueza, febre, emagrecimento e dor nas articulações são sinais de alarme, sendo recomendado procurar um coloproctologista e gastroenterologista.
Kotze alerta que são sintomas comuns a outras doenças intestinais, como intestino irritável, infecções virais e bacterianas, porém sua persistência traz a necessidade de procurar um especialista.
A realização de exames laboratoriais, endoscópicos e de imagem na suspeita das doenças pode trazer um diagnóstico precoce que é chave para o início rápido do tratamento, que pode controlar a inflamação e prevenir complicações.
O diagnóstico precoce evita o dano estrutural e irreversível do intestino e também as complicações que podem levar a óbito, explica Sobrado. “Quando o diagnóstico é realizado antes de dois anos do aparecimento dos sintomas e o tratamento é determinado com medicamentos adequados, a chance de controle da doença é observada na grande maioria dos pacientes”, acrescenta.
Impactos da alimentação
Segundo Luana, uma alimentação anti-inflamatória e cuidados com o sistema imunológico e a saúde intestinal, as pessoas que possuem predisposição para DII podem buscar preveni-la.
“Devemos estar atentos às sensibilidades alimentares que exacerbam o sistema imunológico, com ciclos de estratégias nutricionais, muitas vezes reduzindo o consumo de alimentos considerados alergênicos que também podem confundir o sistema imunológico, e fazendo todo o manejo de condições pré-existentes, principalmente em pacientes com síndrome do intestino irritável”, orienta a nutricionista.
A dieta, para Kotze, é parte fundamental no tratamento das doenças, principalmente nas fases ativas. Por isso, o papel de nutricionistas na equipe multidisciplinar de manejo das DII é fundamental na orientação dos pacientes para manutenção do estado nutricional e prevenção de piora dos sintomas.
Após diagnosticada uma das DII’s, a alimentação pode contribuir para uma melhora no quadro inflamatório, devendo ser aplicada a rotina alimentar mais indicada.
Luana conta que é muito comum utilizar uma estratégia low FODMAP, desenvolvida pela universidade de Monash na Austrália, que consiste na redução do consumo de alimentos fermentativos para reequilíbrio da microbiota intestinal. Entretanto, o acompanhamento nutricional é indispensável em uma DII, preferencialmente com um profissional especializado nesta área, para encontrar qual a estratégia alimentar mais recomendada naquele momento.
Remissão clínica
Por não ter cura, o tratamento deve buscar a remissão clínica, ou seja, manter o paciente livre dos sintomas sem o uso de corticoides, com o controle da inflamação. Alcançado o objetivo, os pacientes conseguem viver mais tempo sem queixas, diminuindo a necessidade de internações e operações e aumento da qualidade de vida.