Quando a pandemia do novo coronavírus passar, seja daqui semanas ou meses, é provável que a população tenha outro problema nas mãos. Médicos oncologistas e patologistas temem que os casos de câncer não diagnosticados hoje, devido ao afastamento das pessoas dos hospitais e das clínicas de exame, se transformem em diagnósticos tardios da doença.
Além de exigirem tratamentos mais agressivos, em algumas situações não haverá muitas ferramentas à disposição dos especialistas para tratar esse câncer. "Perde-se a chance de um diagnóstico precoce, em uma fase na qual a cirurgia, a quimio ou a radioterapia seriam indicadas. Muitos pacientes vão ser diagnosticados em um estágio mais avançado e isso implica na sobrevida", explica Clóvis Klock, médico patologista, presidente do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia e diretor do Infolaudo Medicina Diagnóstico.
O medo de Klock, e de outros especialistas, se baseia nos relatos dos profissionais de serviços de análises dos tumores. Nas últimas semanas, eles perceberam uma redução no volume das amostras de pacientes que variava entre 70% a 95%. "Conversando com colegas de diversas regiões, isso é um fenômeno no Brasil todo. O que temos observado são dois problemas: os pacientes com medo de buscar o atendimento e uma falta de serviços para dar esse diagnóstico devido ao fechamento de locais de radiologia intervencionista e endoscopia, por exemplo", explica o patologista.
Situação semelhante percebeu Bruno Azevedo, cirurgião oncológico do hospital São Vicente, em Curitiba, e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica - Paraná (SBCO-PR). Entre novos e de rotina, o médico verificou uma redução de 60% no fluxo dos pacientes que atende.
"Do total de pacientes que eu atendia antes, se reduziu isso [60%], tem pessoas ficando sem tratamento. Além do medo de ir ao hospital, a rotina dos médicos foi alterada. Eu marco a cirurgia, o paciente aceita fazer, mas não consigo porque não foi possível fazer o exame", argumenta.
Quando buscar o médico, mesmo em pandemia?
O cenário assusta, mas algumas pessoas devem ficar mais atentas que outras. É o caso de quem tem sintomas agudos ou já recebeu o diagnóstico do câncer, mas não deu início ao tratamento ainda.
"Aquele paciente que tinha uma consulta de rotina, e não tem nenhum sintoma, ele pode esperar. Não há problema em postergar dois, três meses. Mas aquele paciente que já estava investigando uma lesão, que está sentindo algo diferente, que encontrou um nódulo na mama ou tem um sangramento gastrointestinal, esse precisa ser atendido. Não queremos uma epidemia de câncer avançado pós-pandemia de Covid-19", explica Klock.
O atendimento desse paciente com um médico não implica, necessariamente, em dar início imediato ao tratamento, conforme lembra o cirurgião oncológico Bruno Azevedo. Isso porque é preciso considerar os riscos da Covid-19 entre a população oncológica, que também é mais vulnerável às complicações pela nova doença.
"Não houve uma orientação nacional de um protocolo a seguir, mas a SBCO liberou uma orientação aos médicos de acordo com cada tipo de câncer. Elaboramos uma sequência de quais seriam os casos que precisam ser operados de imediato, quais outros posso usar uma terapia e operar mais tarde. Minha rotina, hoje, é pesar os prós e contras com o paciente", explica.
Ainda segundo Azevedo, citando o documento desenvolvido pela Sociedade, cânceres do aparelho digestivo, de forma geral, têm indicação de um tratamento imediato. "Por conta dos riscos de complicação. Um tumor de intestino, por exemplo, tem risco de obstruir e sangrar", explica.
Entre os tumores ginecológicos, alguns casos poderiam começar com quimioterapia ou a mistura de quimio e radioterapia, e atrasar o tratamento cirúrgico. "Isso também seria uma possibilidade para os tumores de cabeça e pescoço. Com relação à mama, as cirurgias de reconstrução se recomenda fazer em um segundo momento, pois isso reduz a chance de complicação e o tempo da cirurgia", exemplifica o cirurgião oncologista.
Sair de casa na pandemia?
Buscar auxílio médico nos casos citados acima não interfere, de nenhuma maneira, na manutenção das medidas de distanciamento e isolamento social, conforme alertam os médicos. Ou seja, se não houver necessidade, continue a proteção contra a Covid-19, conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, que incluem:
- Evitar sair de casa sem necessidade;
- Manter distância de outras pessoas;
- Lavar as mãos com frequência;
- Fazer uso do álcool em gel para a higiene das mãos;
- Evitar tocar a mão nos olhos, nariz e na boca;
- Praticar a etiqueta da tosse e do espirro, colocando o braço em frente da boca ou fazendo uso de um lenço de papel descartável;
- Fazer uso da máscara caseira para evitar a transmissão da doença.