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Antes que o corticoide esteroide dexametasona desapareça das farmácias pelo país, é preciso um alerta: o uso profilático (como prevenção à Covid-19), ou em um momento inicial da doença (com sintomas leves), não deve ser feito sem orientação médica, visto que pode levar ao agravamento do quadro, e não a uma recuperação mais rápida.

A medicação ganhou destaque nessa terça-feira (16) depois que pesquisadores britânicos do estudo RECOVERY perceberam uma redução da mortalidade em 1/3 dos pacientes em ventilação mecânica, e em 1/5 das pessoas que usavam oxigênio, ainda que não de forma invasiva.

A dexametasona é um medicamento corticoesteroide, que atua reduzindo as inflamações do organismo. Como a Covid-19 tem por característica a inflamação do pulmão, do coração, entre outros órgãos, a substância atuaria contra esse sintoma, facilitando a recuperação nos casos graves.

Os resultados mais aprofundados do estudo, no entanto, não foram divulgados ainda, e nem avaliados por outros pesquisadores, embora alguns especialistas tenham esperança.

A Sociedade Brasileira de Infectologia, por exemplo, divulgou uma nota em que chama a notícia da dexametasona de um "dia histórico no tratamento da COVID-19!" e destaca como o "primeiro tratamento farmacológico para COVID-19 que mostrou impacto em reduzir a mortalidade! Finalmente temos uma 'boa nova'!".

"Todo paciente com COVID-19 em ventilação mecânica e os que necessitam de oxigênio fora da UTI devem receber dexametasona via oral ou endovenosa 6mg 1x/dia por 10 dias. Medicação barata e de acesso universal", orientam os infectologistas, via nota da entidade médica, aos médicos.

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Efeitos colaterais

A fim de evitar uma busca desenfreada pelo medicamento, os especialistas reforçam o alerta: a dexametasona só teria um efeito entre pacientes internados, com um quadro clínico avançado, e que precisam de suporte respiratório.

Caso seja administrada em pacientes sem sintomas graves, ou sem uma inflamação sistêmica, além de não ter qualquer efeito contra o novo coronavírus, há o risco de a medicação piorar o quadro de infecção, de acordo com Roberta De Santis Santiago, médica pneumologista, doutora em Ciências pela Pneumologia da Universidade de São Paulo, e fellow em Pesquisa Clínica no Massachusetts General Hospital, na cidade de Boston, nos Estados Unidos.

Isso acontece porque um dos efeitos colaterais da dexametasona é uma imunossupressão, ou a redução do sistema imunológico – visto que o objetivo do medicamento é conter uma inflamação desenfreada, atiçada pela defesa do organismo. Uma vez tomada a medicação em um momento de início dos sintomas, ao invés de o corpo continuar atuando sozinho contra o agente infeccioso, a defesa é baixada e abre-se o caminho para uma maior replicação viral.

"As duas principais frentes de tentativa para tratar a Covid-19 ou estão ligadas à resposta inflamatória, ou para matar o próprio vírus. Se você tem um quadro leve da doença, mas está sem uma resposta inflamatória grave, se usar o corticoide nesse momento, aumenta a replicação do vírus, e piora a situação. Se chegar a hora que a inflamação é tão intensa, então o corticoide pode ter uma resposta mais positiva", explica a médica.

Ainda sobre a dexametasona, a especialista lembra outros efeitos colaterais do corticoide, como hipertensão, aumento na glicose (ou no açúcar circulante no sangue) – o que reforça os cuidados entre pacientes diabéticos, por exemplo. "Outro efeito colateral importante é a chamada necrose asséptica da cabeça do fêmur, que o medicamento pode afetar a circulação da região, e levar mesmo a fraturas. E são coisas sérias, se pensar em pacientes mais idosos", explica Roberta.

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Precaução nos resultados

A pesquisa, financiada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, adotou o padrão-ouro dos estudos clínicos e administrou a medicação em 2104 pacientes. Foram dados 6 mg de dexametasona por dia, seja de forma oral ou via intravenosa, durante 10 dias.

Para comparação, outros 4321 pacientes receberam o tratamento padrão. Os participantes foram randomizados, ou separados de forma aleatória entre os grupos.

No grupo controle, a mortalidade se mostrou maior entre os pacientes que precisaram de ventilação mecânica. Já entre os participantes que receberam a medicação, aqueles que estava em ventilação mecânica foram os que viram maior benefício com a dexametasona (33,3% na redução da mortalidade).

Entre os pacientes que não faziam uso de nenhum suporte respiratório, seja ventilação mecânica ou uso do oxigênio, não houve benefícios claros com o uso da dexametasona, alertam os pesquisadores.

"É um potente anti-inflamatório, então é esperado que vá melhorar [a Covid-19], porque a doença tem um componente inflamatório muito importante. Mas ainda não temos essa certeza, precisamos olhar com cuidado", alerta Sandra Farsky, farmacêutica, professora titular da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas.

De acordo com a especialista, ainda não é possível afirmar que a medicação melhoraria os pacientes, ou não, visto que os resultados ainda não foram divulgados na íntegra. "O estudo ainda não foi publicado, e foi feito com cerca de 2 mil doentes, mas não é possível falar se melhorariam ou não sem o tratamento. A hidroxicloroquina, por exemplo, também tem um componente anti-inflamatório, e recentemente o FDA retirou a medicação", lembra Farksy, citando a revogação do órgão norte-americano sobre o uso da hidroxicloroquina de forma emergencial em pacientes com a Covid-19.

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