O que o coração tem a ver com câncer? Muito. Pessoas que recebem o diagnóstico da doença (seja de qual tipo for) precisam ter em mente que, além da área ou órgão afetado pelo câncer, o coração também deve ser cuidado.
Isso acontece porque o tratamento oncológico, embora tenha o objetivo de impedir a replicação das células que fugiram do controle e deram origem à doença, acaba afetando também o coração. Esse risco pode ser exemplificado pelo tratamento do câncer de intestino, segundo Sanderson Cauduro, médico especialista em cardio-oncologia, diretor do serviço de Cardio-Oncologia do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba.
"Algumas drogas para câncer de intestino visam inibir a multiplicação da célula no órgão, impedindo que o sangue chegue até a área. O efeito colateral é um aumento da pressão arterial em outros locais. Há medicamentos que geram arritmias cardíacas, que aumentam a pressão arterial, que mudam o calibre das artérias, deixando passar menos sangue. O dano mais temido é o enfraquecimento do músculo cardíaco, gerando uma insuficiência cardíaca", cita o especialista.
Mas os danos ao coração não acometem apenas quem faz uso das medicações. Contra o câncer há outros tratamentos importantes, como a quimio e a radioterapia. "Quando a pessoa faz radioterapia do tórax, como um paciente de câncer de mama ou do mediastino, do pulmão, da traqueia, laringe e esôfago, a radiação que é feita para a célula tumoral pode passar perto de alguma estrutura do coração. Isso faz com que fique mais ressecada, e o órgão pode envelhecer antes da hora", cita. "Hoje sabemos que o paciente oncológico, se não morrer pelo câncer, mais da metade da chance é que venha a morrer por um problema cardíaco".
Protegendo o coração
Uma das maneiras de prevenir danos cardíacos é atuando logo no início do tratamento oncológico. Para isso, há 10 anos passou a existir a figura do cardio-oncologista, que ajuda nessa prevenção. O paciente passa por alguns exames, como eletrocardiograma, de esteira e o ultrassom do coração. Este último verifica se as células do coração estão funcionando bem e se vão aguentar o tratamento.
Baseado nessas informações, o cardiologista informa o oncologista sobre os riscos daquele paciente em desenvolver alguma doença cardíaca. Os dois, então, montam o plano de tratamento, que indica como deve ser conduzido, a fim de reduzir as chances de sequelas.
"Há exames de sangue que conseguem detectar se algumas células do coração foram afetadas. Para isso, dosamos determinadas proteínas que são decorrentes da destruição celular, como a troponina. Existem vários tipos de troponina, e aqui dosamos a I, que é a ultrassensível", detalha o cardio-oncologista.
O que pode ser feito?
Uma vez identificado o risco cardíaco, há opções medicamentosas que podem ser adotadas. Estas atuarão como uma barreira no coração, enquanto o tratamento contra o câncer atua em outra área.
"Os pacientes podem perguntar 'e por que esse remédio não é dado a todo mundo?'. Não se pode dar remédio para quem não precisa. Tudo tem um custo, tem a exposição do paciente. A boa prática médica diz: examine quem precisa ser examinado e estratifique quem precisa ser estratificado".
Dessas medicações, algumas são usadas para o tratamento de insuficiência cardíaca e outras são conhecidas de quem tem hipertensão arterial. Mas há ainda outras formas de prevenção e cuidado cardíaco, que não exigem medicamentos.
"Quando falamos em prevenção, exercícios são eficazes e baratos, embora deem mais trabalho ao paciente. O exercício ajuda – e muito – porque treina mais o coração para suportar uma carga maior de estresse oxidativo. Ele também libera substâncias que fazem com que a resistência cardíaca aumente", detalha Cauduro.
Dê preferência a atividades aeróbicas, como correr, andar de bicicleta, pular corda, que aumentam o batimento cardíaco. Inclua esses exercícios três horas por semana (meia hora por dia durante seis dias).
"Além de tudo, exercitar melhora a imunidade da pessoa, diminui o peso e combate o estresse. É uma forma de eliminar o estresse mental do impacto do câncer. No consultório vemos que, se a pessoa está disposta a se tratar usando todas as técnicas possíveis, o desfecho do tratamento é muito melhor", completa.